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O fotógrafo

Adão, uma história de amor, coragem e lealdade

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José Escarlate

Emociona até as lágrimas a história de vida do meu amigo Adão Nascimento, grandalhão e generoso, com coração de menino. Sua filha, Daisy Nascimento, jornalista e uma lutadora, conta que ele teve infância difícil.

A Baixada Fluminense era seu território. Nasceu e passou o início da vida no “Buraco Quente”, assim chamado porque a casa ficava na junção inferior de dois morros, em São Matheus. “Papai tinha a cara e o jeito de moleque” – diz Daisy.

Na rua vivia uma liberdade carente que marcou sua vida. Sentia falta do pai, que abandonou a mulher e o filho de três anos de idade e nunca mais voltou. A mãe, muito nova, foi uma ausência-presente que marcou sua vida, crescendo revoltado. Em razão disso, tinha o pavio curto, aliás curtíssimo. “Muitos amigos de infância do meu pai se enfiaram na bandidagem e morreram em tiroteios. Ele contrariou tudo isso. Sobreviveu a essas armadilhas” diz. Ali, Adão se sentia o dono do “pedaço”. Mas sua maior malandragem era perceber que podia chegar mais alto. Que podia ser alguém na vida.

A avó foi seu anjo da guarda. Puxou suas orelhas, recebeu dela estudo, alimento, ajudando-o a crescer. Vendeu balas no centro do Rio. A paixão pela profissão veio aos 17 anos, quando trabalhou num laboratório fotográfico no centro. Ganhou experiência e segurança. Um dia, já casado, deixou no Rio a mulher e duas filhas pequenas. Veio para Brasília registrar a materialização do sonho de JK de construir do nada a nova capital do país.

“Meu pai tinha uma lambreta, e era nesse transporte que ele fazia a ponte Rio-Brasília. Na sua trajetória de homem de bem passou a cada um dos cinco filhos – quatro mulheres e um homem – seus valores de lealdade, dignidade e honestidade”. A dedicação ao Estadão era incrível. Rodamos o Brasil e o mundo juntos. Deixando o jornal e foi para a EBN, depois, Radiobrás. Ali, a grande decepção da sua vida ao ser demitido. Entrou em depressão e o coração falhou.

Como fotógrafo, não se limitou a registrar a política de antes, durante e depois da ditadura militar. De olhar clínico e mágico, produziu ensaios que viraram exposições. As fotos da Berlim antiga, do pós guerra estão expostas na Alemanha. As flores do cerrado também viraram exposição e as fotos, doadas ao Jardim Botânico de Brasília. Registrou também o “Karup”, ritual celebrado pelos índios do Xingu para homenagear os mortos.

Fotografar era sua paixão. Trabalhar, sua força motriz. Um dia essa força lhe foi tirada. O desemprego foi a sua primeira morte. A aposentadoria, quase forçada, não pela doença, mas pela falta de espaço, foi a pior sentença. O diabete e o espírito infantil derrubaram o homem de 76 anos que comia chocolate e bala escondidos. “Papai morreu comigo, no banco de trás do meu carro – conta a filha Daysi -, numa corrida alucinada por atendimento médico. Depois de passar por dois hospitais, meu pai desistiu. Um suspiro, último olhar pelo retrovisor, e ele se foi”.

Um grande fotógrafo, um grande homem, o grande amigo Adão Nascimento.

PV

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