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Alô, mãe?! Estou no Japão, diz Augusto, sóbrio. ‘Para de beber, filho. Vai prá casa’

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Velho companheiro desde os tempos em que éramos repórteres no Palácio do Planalto, idos de 1974, governo Geisel, José Augusto de Freitas, o Augusto como era conhecido, trabalhava no O Estado de S. Paulo. Bastante ligado à economia, gostava também de política e ia com frequência ao Planalto, principalmente quando das reuniões do CDE – Conselho de Desenvolvimento Econômico e quando havia despachos de ministros da área com o presidente.

No palácio, Augusto era querido por todos. Pela sua irreverência mordaz e crítico permanente do regime vigente.Sua pena era pesada, carregava nas letras, como repórter de um jolrnal de oposição. Apesar da aspereza, era simpático aos militares, por seu modo de tratar, que atribuiam ao jornal a culpa da sua agressividade escrevendo. Nas matérias, não aliviava nada. No todo, era simpático, solidário e um boêmio incorrigivel. Um boa praça, como dizem. Nascido no Rio Grande do Norte, estudou em um seminário onde se iniciou no jornalismo, trabalhando na Rádio Rural e no jornal “A Ordem”, da Arquidiocese. Depois pulou para a Tribuna do Norte, do ex-ministro e ex-governador Aluizio Alves.

Foi para São Paulo, ingressando na Tribuna de Santos, tornando-se amigo do então deputado federal Mario Covas, que viria a ser cassado pela Redentora. Na época, Covas crescia na política nacional. Augusto passou um breve período na sucursal paulista do Jornal do Brasil, vindo para Brasília em 1975, para a sucursal do Estadão, onde ficou anos como repórter de economia e política, tendo passado ainda pelo Correio Braziliense e Jornal de Brasília.

Mas ele tinha dois graves problemas em sua vida, além de fumar desbragadamente. O primeiro deles era o de visão. A partir de uma distância de oito metros, ele só enxergava um vulto. Isso, para um repórter, que deveria manter uma certa distância de autoridades representava um problema sério. Mas como todo mundo gostava dele, recebia ajuda dos companheiros na cobertura do dia-a-dia. Ele resistia, já que era super vaidoso, mas aceitava a ajuda de uma forma meio displicente. Outro sério problema que o afetava era a bebida. Por conta disso, perdeu praticamente tudo. Seu emprego, sua família. Várias vezes, pautado para o palácio, já chegava por lá meio alto. Seus olhos, que eram muito azuis, ficavam vermelhos. E já dava para notar que o Augusto estava prá lá de Marrakesh. A solução era protegê-lo, de uma maneira discreta. E o Augusto bebeu muito. Mais do que devia. Mais do que podia.

O tempo passou e houve a sucessão de Geisel. Augusto foi destaca pelo jornal para cobrir a transição e o governo Figueiredo. Um ano depois deixei o palácio para dirigir o jornalismo da EBN. Não tive mais contato com ele. Vida vai, vida vem, depois de uma série de peripécias, soube que deixara o Estadão, por causa da bebida, e a própria família. No desvio, morava em um pequeno quarto de hotel no Núcleo Bandeirante.

Um dia o Fernando César Mesquita, querido amigo, liga pedindo um lugar para o Augusto na coluna que fazia. Felizmente, ele havia abandonado o vício, após longo tratamento. Mas ficaram as marcas. Só bebia água. Nem refrigerante entrava no seu cardápio. Foi um grande reforço que a coluna teve. José Augusto de Freitas era um grande repórter e um excelente redator. Quando deixei a coluna pela primeira vez, para me aposentar, após ter trabalhado lá 16 anos, o Augusto passou a ser repórter, redator e editor.

Vez por outra, nos encontrávamos no Pátio Brasil. Depois, ele sumiu. Um dia o reencontrei, mais magro, com o paletó debaixo do braço ou sobre o ombro, que nunca vestia, sua marca registrada. Assustei. Ele falava através de um tudo enfiado no pescoço, que emitia um som gutural. Soube depois que extraira um cancer da garganta, em São Paulo, causado pelos cigarros que fumara. Numa segunda-feira, dia 9 de janeiro de 2011, ainda de molho das minhas safenas e dos meus stends, abro o jornal e leio a seção “Obituário”, um velho hábito de jornalista e vejo o nome do Agostinho Meiçó, um velho companheiro, técnico da Agência Nacional.

Foi quando a Aurora, pegando o jornal na mesa do café, me disse: “Morreu um jornalista, José Augusto de Freitas, você conhece?” Tomei um susto, o coração acelerou. “Claro que sim – respondi- , era meu amigo, cobrimos junto o palácio e trabalhou comigo na coluna”. Em negrito, a notícia registrava a morte do Augusto por falência múltipla dos órgãos. Informava que no dia seguinte seu corpo seria cremado. Me preparei para ir ao velório, mas de posse das minhas três cirurgias cardíacas, fui impedido pelos médicos. Chorei em casa, desabafando, me controlando ao máximo. Sempre fomos bons amigos, companheiros, mesmo eu não gostando da “danada”.

José Augusto, ou simplesmente Augusto, tinha muitas histórias deliciosas. Uma delas, contada pela verve do Leonardo Mota Neto, lembra que em uma de suas campanhas eleitorais, Marco Maciel teve como um doador institucional a cachaça Pitu. Tinha horror a cachaça, que o Augusto adorava. mas prestigiava a marca da terra, tão forte quanto Casas Pernambucanas ou o Grupo João Santos.

Numa viagem de avião de Brasília ao Recife durante a campanha eleitoral, Maciel levou em sua companhia o José Augusto de Freitas, que repassou o caso ao Léo. “O jatinho sofre uma pane. A turbina embandeira. O piloto avisa que chegarão, sim, mas em condições de emergência. A torre de Recife é avisada. O avião balança. Augusto nota que Maciel está em profundo estado de palidez e choque, ele que detestava aviões. Irreverente, Augusto não se faz de rogado. Abre sua valise e saca de uma garrafa da cachaça Pitu: – “Senador, tome uma lapada que o senhor vai chegar bonzinho…” Maciel olha horripilado a garrafa, vacila, mas acaba tomando um longo gole. Chegou bonzinho”.

Em outro lance, o próprio Augusto, de espírito irreverente como nunca, sempre contava o dia em que foi convidado pelo então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Velloso, a integrar a comitiva oficial das finanças brasileiras em visita ao Japão. Veloso adorava o Augusto.

Autorizado pelo jornal, lá se foi ele. Fim da tarde, depois de longa viagem, fuso horário trocado, desembarca em Tóquio, a tempo de pegar os botecos ainda sem superlotação. Encostou no balcão e foi conferir a pauta que lhe dera o Fernando Cesar Mesquita, que chefiava a sucursal. Foi quando bateu a saudade e o Augusto teve vontade de ligar para a mãe, contando da viagem, a trabalho. Em Natal, na casa da mãe de Augusto, eram 5h30 da manhã. Toca o telefone. Ela atende meio assustada. “Mãe. Bom dia, mamãe”. Aí ela pergunta: “Por onde você anda, que sumiu, meu filho ?” “Estou no Japão, mãe. Estou em Tóquio”. Ainda sonolenta, acordada de repente, ela não consegue segurar um grito de surpresa, e começou a chorar.

“Augusto, meu filho, vai pra casa! Eu já te pedi tanto para parar de beber”. Quando contava essa historinha, o Augusto morria de rir.

PV

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