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Chegou a hora de intelectuais se engajarem para ser contraponto à insensatez dos políticos

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Luiz Paulo Rouanet e Wilson Levy

Aristóteles dizia que para ser juiz deve-se ter experiência, mas sem ter sido corrompido. Essa é uma exigência que deveria se estender também a outras categorias profissionais –entre elas, a dos políticos. Não que se espere que estes tenham uma “vontade santa”, mas que, pelo menos, no que diz respeito à sua vida pública, busquem se pautar pela moralidade.

Outro aspecto que se pode passar a exigir, e que não se constitui como requisito antidemocrático, é o de que o cidadão que se propuser a seguir a vida pública procure uma formação voltada para o exercício das complexas funções relacionadas ao aparelho do Estado. Se não for obrigatório, deve ser fortemente estimulado. Acoplado ao pré-requisito legal –conhecido como ficha limpa–, isso ajudaria a selecionar de forma mais adequada os cidadãos para o exercício de cargos públicos.

Porém, se sozinha, a formação pode tornar-se estéril, caso não se traduza em ações e compromissos voltados para a população. Intelectuais formados por universidades públicas, por exemplo, muitas vezes têm a ilusão de que a posição que atingiram na sociedade se deve exclusivamente a méritos seus, quando houve um investimento da sociedade para que completassem sua formação.

Pouco se discute sobre o papel dos intelectuais na política. Eles têm uma função importante na definição de programas partidários e muitos ocupam cargos na administração. Habitualmente, são chamados a se posicionar no debate de grandes questões públicas. Todavia, a crítica faz parte de um movimento muito mais enfático do que a (tímida) participação nas tomadas de decisão. A questão é se intelectuais serão bons homens e mulheres públicos.

O filósofo italiano Norberto Bobbio discutiu o tema com bastante desenvoltura. Segundo ele, quando o intelectual se coloca acima da vida pública, este faz suas ideias virarem exercícios professorais. Contudo, quando se engaja é acusado de trair seu ofício, colocando-se a serviço de ideologias e projetos de poder. As duas hipóteses são frequentes e igualmente negativas.

Para desatar esse nó, transparência é um pressuposto. Não raramente os intelectuais defendem projetos partidários. Todavia, são poucos os que assumem essa condição com clareza. Não é incomum encontrar intelectuais cujos discursos oscilam entre a abordagem isenta e a defesa incondicional de interesses, sem deixarem claras as suas posições ou mesmo –o que é ainda mais frequente– usando as suas posições para legitimar interesses partidários.

Ao não jogarem limpo, prestam um desserviço ao debate, escondendo-se sob a capa de uma neutralidade insustentável. Quando assume posições, o intelectual só fortalece o seu papel. Permanece um interlocutor público qualificado e não pode ser acusado de ser panfletário.

A academia é uma casa de dissensos, e exteriorizá-los para a praça pública não denota uma fraqueza moral. Ao se expor às críticas e ao pôr-se à disposição de ser convencido, colabora para o aperfeiçoamento das ideias que defende. Dentro da política, passa a influenciar no desenho dos programas de Estado e, conhecendo a realidade de seu país, atua no sentido de contextualizar as ideias políticas.

No caso brasileiro, o intelectual pode assumir um protagonismo importante, seja evitando a proliferação de uma abordagem liberal rasa –num país que não atingiu um patamar civilizado de igualdade de oportunidades–, seja denunciando uma posição à esquerda que despreze os limites impostos pela realidade econômica, ou mesmo numa atuação firme contra as lamentáveis expressões de insensatez que os atores políticos têm dado.

Neste momento agudo da vida nacional, abre-se espaço para o surgimento de uma nova geração de indivíduos públicos com boa formação e imbuídos de ideais de cidadania. Esse grupo, que é plural, deve ser cada vez mais composto por intelectuais a serviço do país.

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