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Da Estrutural para Samambaia

Enfim o aterro, mas o lixo ainda vai comer dinheiro

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Eduardo Monteiro

Brasília ganha seu aterro sanitário nesta terça, 17. Não é algo meramente paliativo, é verdade, mas está longe de ser uma solução para o Lixão da Estrutural. Até porque, das mais de 3 mil toneladas recolhidas pelos caminhões do SLU diariamente, apenas 1 mil toneladas terão o novo destino.

O processo é lento e somente no futuro o brasiliense saberá os resultados. A tecnologia empregada no sistema de Samambaia não é das melhores, disse em entrevista a Notibras o professor Walfrido Ataíde, especialista em Gestão de Resíduos Sólidos. O que o governo está fazendo, sentenciou, é transferindo o problema do lixo para as futuras gerações.

Segundo o professor – um dos responsáveis pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos – o Aterro de Samambaia tem seus méritos. Mas é certo, porém, que o lixo ainda vai consumir muito dinheiro dos cofres públicos. Literalmente.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Notibras – Professor, finalmente os brasilienses poderão testemunhar o fim do lixão da Estrutural?

Walfrido – Obrigado, Eduardo, e parabéns pela sua iniciativa de abrir este espaço, para comentários dos principais problemas da nossa cidade. Bem, a notícia é boa, pois, significa o primeiro passo para o encerramento do lixão da Estrutural, o maior da América Latina, classificado entre os cinco maiores do mundo, conforme a publicação do “waste Atlas”. Porém, nessa primeira etapa, o Aterro da Samambaia só receberá os rejeitos da coleta domiciliar, que, conforme o SLU chega a aproximadamente 900 toneladas/dia. Observe que o DF gera em média 2.700 toneladas/dia de resíduos. Ou seja, 1.800 toneladas/dia de resíduos continuarão a ser depositadas no Lixão da Estrutural.

Então isso não resolverá o problema?
Em um primeiro momento não. O GDF informa que o desvio da carga do lixão da estrutural para o aterro da samambaia será gradual, e dependerá da construção e equipamento dos galpões de triagem que serão colocados à disposição das cooperativas de catadores, o que, ainda conforme o SLU, só se concluirá em 2018.

Pode-se dizer que a partir de 2018 o problema acaba?
Não acaba, será reduzido em parte, pois aí entra em cena as obras de encerramento do lixão, que, devido ao tamanho e complexidade do aterro, pode durar até décadas e consumir recursos bem superiores aos que foram investidos na abertura do aterro sanitário da Samambaia. Considerando que a vida útil estimada do novo aterro é de pouco mais de dez anos, em uma década estaremos com três problemas acumulados: Encerramento do Estrutural ainda em andamento; Projeto de outro novo aterro sanitário e encerramento do aterro da samambaia. Ou seja, o Aterro de Samambaia, conforme foi projetado, só transfere o problema para as próximas gerações.

Pelo que entendi, estamos com um problema sem solução?
Não é bem assim. Existem soluções tecnológicas que, se adotadas, ainda podem atalhar o problema e gerar um modelo para o futuro.

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Quais são essas soluções?
É uma combinação de processos, métodos e tecnologias que hoje já são amplamente adotadas no mundo e estão em grande expansão nos países que têm consciência e compromisso sério com o meio ambiente urbano. Primeiro tem que se automatizar o processo de triagem dos resíduos. Por mais que tenhamos catadores, é impossível uma triagem eficiente de 2.700 toneladas por dia. Hoje as tecnologias de triagem automática separam os resíduos úmidos dos secos e processam “finamente” a fração seca, separando papéis, papelões, plásticos, vidros e metais, chegando aos níveis mínimos de triagem até por densidade do material, cor, etc. Agregando valor aos resíduos coletados. Os rejeitos, que não têm destinação comercial e que hoje são aterrados, podem (e a Lei permite) serem submetidos a processos de recuperação energética. A fração úmida também pode ter a sua energia recuperada, por processo de biometanização, que acelera o processo de decomposição e produz gás combustível, evitando a emissão de metano para a atmosfera.

Mas como se recupera a energia do lixo?
Vou exemplificar: Em um processo chamado pirólise, que não deve ser confundido com incineração, cada tonelada de plástico pode produzir até 800 quilos de óleo combustível; cada tonelada de pneu produz 400 quilos de óleo, 300 quilos de carvão e 150 quilos de arame de aço. Com 80 quilos de óleo se produz 1 megawatt de energia elétrica com grupos geradores especialmente preparados para consumir esse tipo de óleo e pirólise.

Mas os resíduos não são compostos só de plástico e pneu, e o resto?
Os outros resíduos, papéis, tecidos, etc, podem ser tratados e transformados em um “combustível derivado de resíduos” e processados em um método de gaseificação, que produz um gás que pode ser usado como combustível em turbinas a vapor ou de ignição direta, gerando 1 megawatt a cada três ou quatro toneladas tratadas.

Quer dizer que o potencial energético do lixo é enorme e nós estamos enterrando essa energia?
Certíssimo. Dá para perceber que com essas tecnologias, o que será disposto no aterro será muito pouco. Sendo assim, o novo aterro da samambaia teria uma vida útil no mínimo triplicada, se no seu projeto original fosse contemplada a sua automação. Mas creio que ainda se pode aproveitar a oportunidade, já que a operação do aterro ainda não se iniciou e se discutir um modelo tecnológico similar ao que eu relatei.

Mas isso não é muito caro? Não podemos nos esquecer que a crise financeira veio para ficar por muito tempo.
Essas tecnologias estão se expandindo muito aceleradamente no mundo, o que ocasiona uma grande competição entre fornecedores e consequente baixa de preços dos equipamentos. Os investimentos nesse tipo de modelo de gerenciamento de resíduos atualmente são, comparativamente aos valores investidos em grandes aterros, razoavelmente equalizados. Considerados os ganhos com a venda de energia e as taxas de recepção de resíduos, é um negócio atrativo para os empreendedores do “waste business”.

Pode exemplificar?
Ok. Vamos fazer um exercício empírico, tomando por base somente as 900 toneladas de rejeitos que serão direcionadas para o novo aterro, exemplificando apenas a recuperação energética dos plásticos: Os plásticos correspondem a aproximadamente 15% do total dos resíduos produzidos, então, podemos admitir, numa perspectiva pessimista, que 5% de todos os rejeitos da seleção feita pelos catadores são de plásticos sujos, contaminados ou fora das características de mercado; Assim temos aproximadamente 45 toneladas de plásticos/dia para recuperação energética, disponíveis nas células do novo aterro. Considerando-se 80% de aproveitamento de óleo no processo de pirólise dos plásticos, teremos uma produção diária de 38.000 quilos de óleo combustível, ou seja quase 1.600 quilos de óleo por hora. Os grupos geradores produzem 1 MW/hora com 80 quilos de óleo, assim, temos um potencial de geração de energia na ordem dos 19 MW/hora. Isso sem contar o óleo de pneus e a energia da gaseificação dos demais resíduos. Não tenho nenhum receio de afirmar que, quando estiver recebendo a totalidade dos resíduos coletados, o aterro poderia gerar, com segurança, um terço do que gera a usina de Corumbá 4. Tudo isso com tecnologias limpas, sem emissões ou efluentes; substituindo fontes não renováveis e absorvendo a força de trabalho dos catadores e respeitando o seu direito de comercializar os resíduos (nesse modelo só se processa rejeitos).

Sim, entendí, mas de onde viriam os investimentos?
De parcerias público privadas, ou algum modelo de concessão pública, principalmente aproveitando o “apetite” de empreendedores internacionais que estão mobilizados para efetuarem esses investimentos em âmbito global.

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