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Feche os olhos e responda rápido. Por que é difícil aceitar a morte?

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Desde que o ser humano existe é assim: todo mundo nasce, cresce e, um dia, morre. Mas apesar de conviver com essa inevitável verdade há quase 200 mil anos — estimativa da presença do Homo sapiens na Terra — ninguém lida muito bem com a ideia de morrer ou perder um ente querido.

Ainda que tenha perdido dezenas de amigos e parentes ao longo da vida, você vai sofrer de novo quando outro mais se for. E o pior: você é capaz de sofrer até pela perda de alguém que não conheceu pessoalmente, como um campeão de Fórmula 1 ou uma princesa que vivia do outro lado do oceano.

Será que existe alguma razão para tanta dor? A psicologia evolucionista, que analisa aspectos da mente e do comportamento sob o prisma da adaptação do homem na Terra, não tem uma resposta definitiva para essa pergunta. Entretanto, alguns estudiosos tentam lançar luz sobre o tema.

Para Randolph Nesse, professor do Centro de Evolução e Medicina da Universidade do Arizona, nos EUA, existe uma função adaptativa para o luto. Assim como uma dor forte no lado esquerdo do peito chama atenção para um possível infarto, o pesar profundo no coração pode deflagrar o restabelecimento de prioridades, o cuidado pelos que ficam e consigo próprio. Seguindo a mesma lógica, muitos estudiosos acreditam que a depressão é uma forma de pedir socorro.

Outro autor a pesquisar bastante sobre o assunto sob o viés da psicologia evolucionista, John Archer, da Universidade Central de Lancashire, no Reino Unido, pensa justamente o contrário. Para ele, o luto é, na verdade, uma má adaptação, tanto que, após a perda de alguém querido, há redução do desejo sexual, da fome e da imunidade. Há gente até que morre depois que o parceiro se vai. Archer acredita que sofrer pela morte é um efeito colateral da maneira como o ser humano se relaciona, um subproduto dessa mania que as pessoas têm de amar e se apegar umas às outras.

Em um artigo sobre a teoria de Archer, Nesse comenta que a visão do britânico leva a crer que, se existisse um antidepressivo capaz de anular o sofrimento pela morte de alguém, a humanidade não perderia nada — pelo contrário, só ganharia.

Para Randolph Nesse, isso seria tão arriscado quanto dar morfina a um jogador de futebol que quebrou a perna e fazê-lo voltar ao jogo, sob o risco de sofrer uma fratura ainda mais grave e ter de largar o esporte para sempre.

“Se a vida não tem valor pessoal, a morte pode ser uma boa possibilidade de encerrá-la, situação presente na história de vários suicidas”, observa Maria Julia Kovács, coordenadora do Laboratório de Estudos sobre a Morte  do Instituto de Psicologia da USP (Universidade de São Paulo).

A ideia de que a dor do luto é um mal necessário para a valorização da vida é reconfortante, mas não faz ninguém sofrer menos. E nem mesmo os bichos escapam desse terrível efeito colateral do apego. “Há registros que animais de estimação podem viver processo de luto ao acompanhar os donos mesmo quando já morreram, não abandonar o leito do dono doente, ou de ficar com olhar triste, sem comer ou até morrer junto”, comenta a especialista da USP.

De fato, não faltam histórias de cães que parecem velar o corpo dos donos que se foram, como Rambo, um vira-latas que se mudou para um cemitério no interior do Paraná após a morte do dono, recentemente. E também Pipoca, cachorrinha do menino Eduardo de Jesus Ferreira, de 10 anos, morto no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro. Depois da perda, o animal passava a maior parte do dia quieto, num canto.

John Bowlby, psiquiatra e psicanalista inglês que é referência entre os estudiosos do assunto, dizia que, quanto maior o apego, maior o sofrimento do luto. Foi ele, também, quem descreveu as quatro fases que, em geral, são enfrentadas após a perda de alguém querido.

A primeira é a fase de choque ou entorpecimento: é difícil acreditar que aquilo está acontecendo e, por isso, a dor ainda não existe. A segunda é a de anseio e busca pela figura perdida, que gera desânimo e choro. Na terceira, vem a desorganização e o desespero, e, na quarta, a reorganização.

Se a primeira fase pode durar de algumas horas a cerca de uma semana, não é possível prever o tempo de duração das outras. Tudo depende dos recursos internos de cada um e da relação com a figura perdida, entre outras questões.

“O sofrimento humano é dimensionado pela pessoa segundo aspectos pessoais, características de personalidade e histórias vividas. Entretanto, a cultura tem influência forte ao autorizar ou não certas manifestações da dor e oferecer rituais de proteção ao enlutado que são coletivas”, diz Kovács. “Deve-se levar em conta, também, questões religiosas na manifestação do sofrimento”, acrescenta. Se não dá para evitar a angústia, é possível buscar algum sentido e contar com apoio de quem já enfrentou o luto.

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