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Gerson, lagosta, vinho, um Cohiba numa QL Sul e os 20% de comissão

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Os jantares promovidos pelo empresário José Córdoba em uma QL do Lago Sul eram famosos em Brasília. Para poucos convidados, nunca mais que seis felizardos, o jantar tinha a lagosta como prato principal. Não era uma lagostinha ou lagostim qualquer. Era LAGOSTA, assim, em caixa alta.

Lagosta é o nome comum dado a uma grande diversidade de espécies de crustáceos decápodes marinhos da subordem Palinura, caracterizados por terem as antenas do segundo par, muito longas, e os urópodes em forma de leque. Esses crustáceos podem atingir grande tamanho, com peso superior a 1 kg.

A sofisticação chegava ao ponto que José Córdoba tinha um grande aquário onde os bichinhos ficavam ali, vivinhos, à espera de serem a próxima vítima. E era assim que funcionava: o convidado era levado pelo “Chéf” até o aquário para escolher o que melhor lhe apreciava. E o “Chéf” explicava sempre para àqueles que não tinham muito conhecimento da gastronomia.

– Aquela ali – dizia o Chéf –, tem a casca grossa, mais resistente. Porém, tem a carne firme e saborosa. Aquela outra é descamada, pois acabou de trocar de casca e a carne tem um leve sabor adocicado.

Era uma aula de culinária e ao mesmo tempo um show de sofisticação preparado para empolgar os convidados e os levar ao mundo da luxúria. A lagosta era servida à termidor, acompanhada de vinho branco encorpado Chablins Grand Cru.

José Córdoba era um médio empresário da construção. Bem sucedido, tinha diversas obras contratadas pelo Governo Federal e do Distrito Federal. Não se arriscava muito em grandes licitações e comia pelas beiradas ganhando sempre os pequenos editais na área de conservação de estradas, troca de meios-fios, pinturas de faixas. Coisas miúdas.

Mas a hora de dar o grande salto tinha chegado. A sua empresa iria participar de uma licitação de algumas centenas de milhões e tinha tudo para sair vencedora. E não era à toa que José Córdoba estava recebendo, na noite daquela sexta-feira, o homem responsável pelo certame que iria decidir sua sorte na segunda-feira seguinte.

Mais uma vez o show estava montado e dessa vez apenas um jantar íntimo com a presença do casal de convidados.

A lagosta foi servida com todo o ritual tradicional. O convidado delirava e a conversa ficava cada vez mais alegre. Do lado de fora da casa se ouviam as gargalhadas dos comensais. O vinho servido aumentava a descontração e Córdoba deixou para o final a grande surpresa.

– Atenção. Agora a segunda grande atração da noite. Senhoras e senhores, eu tenho o prazer de apresentar GERSON!

Então, o caseiro da residência entra na sala com Gerson, um papagaio verdadeiro de plumagem predominantemente verde, com manchas amarelas no rosto, ao redor dos olhos, e uma mancha azul na fronte. Gerson era oriundo da Amazônia e media cerca de trinta centímetros de altura.

O empresário se adiantou e disparou a tecer elogios a Gerson, como costumeiramente os pais falam sobre os predicados dos seus filhos. Gerson era um papagaio extremamente dócil, inteligente e rapidamente conquistava a simpatia dos convidados da casa.

– Gerson, falou o empresário, ‘cante o hino do melhor time do Brasil’.

“Sou tricolor de coração, sou do clube tantas vezes campeão…”.

Gerson cantava o hino inteiro do Fluminense e repetia o refrão com entusiasmo. O convidado se emocionou e os olhos ficaram marejados de lágrimas. Afinal ele era tricolor apaixonado. Sua paixão pelo Flu veio do seu pai recentemente falecido e o hino do clube remetia a lembranças de quando ia ao Maracanã assistir aos grandes clássicos do campeonato carioca.

Pronto, o convidado já tinha sido conquistado pelo estômago e pela emoção. Agora era o momento de falar de negócios. José Córdoba pegou o papagaio e chamou o convidado para um canto isolado da sala com o pretexto de fumar um Cohiba, tradicional charuto cubano. A conversa, presenciada por Gerson, não demorou mais que trinta minutos. Ao final, um aperto de mãos selou algum acordo.

O empresário acompanhou o casal de convidados até a saída levando Gerson, seu aliado, para se despedir. O responsável pela licitação agradeceu pelo jantar e, principalmente, a Gerson que o levou às lágrimas. O papagaio ainda em clima de festa retribuiu:

– Sou tricolor de coração… Tchau! Vinte por cento! Currupaco! Vinte por cento!

Na segunda-feira José Córdoba estava comemorando a vitória na licitação com a sua equipe no escritório, quando recebe ligação da sua esposa aos prantos.

– Amor, o Gerson sumiu!

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