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Leveza do ser

Gesto da entrega ao Universo abre novas portas

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Andrea Pavlovitsch

Entrei numa igreja outro dia. Fazia muito tempo que não entrava lá. É uma igreja bem ao lado do meu consultório, e local de minha infância. Fui a muitas missas lá. Casamentos de parentes, batizados, enfim, algo que fez parte de minha vida por muitos anos. E por mais que ela fique bem do lado do consultório, e que eu passe aqui a maior parte dos meus dias, eu nunca mais entrei lá.

Decidi entrar. Num dia ruim, chuvoso e triste. Num dia daqueles em que você se toca que tem coisa demais errada, mas que você não anda conseguindo resolver muito bem. A primeira coisa que eu vi foi uma mesa com papéis e lápis. Achei estranho. Aproximei-me da mesinha e vi que eram pedidos. As pessoas escreviam coisas lá e deixavam numa bandeja que, possivelmente, deve ser levada até o altar nos dias de missa. Achei interessante e, claro, tratei de pedir serenidade para fazer as mudanças necessárias. Para parar de olhar para mim como aquela garotinha da infância.

O lugar é enorme. Mas, de fato, parecia menor do que antes. O altar, a sacristia, tudo tão familiar. Lembro-me de ter muita curiosidade sobre uma passagem por trás do altar, onde o padre guarda os instrumentos da eucaristia. A hóstia e outras coisas, não sei direito, porque, como já disse, não sou católica. Olhei os desenhos de santos, anjos, e me sentei no último banco. E, do nada, comecei a chorar. Era um choro sentido, doído e profundo.

Não sei exatamente do que. Não pensei que, depois de 30 anos, fosse voltar àquele lugar e que tudo o que eu tinha pensado que seria a minha vida, estaria diferente. Achei que teria e que seriam coisas que eu não sou e não tenho. Algumas das quais eu ainda desejo. Como pode um desejo perdurar por tantos anos? Como pode parecer tão impossível realiza-lo, tão difícil pelo menos. Como podem as coisas ter tomados rumos que eu não conseguia pensar que tivessem. E olhei toda a minha trajetória, o meu caminho.

Vi o quanto eu caminhei e como isso me custou esforço, paz, dias de insônia, dias mal dormidos. Quanto me custou de beleza, de dinheiro, de paciência, de dores. Fiquei pensando que eu não apliquei bem o meu dinheiro até agora, sim, eu pensei isso. E descobri que tinha uma crença com relação à dinheiro muito complicada. Eu mantinha a crença de que dinheiro é uma coisa para se guardar e que, se você não tem guardado você simplesmente não tem. E não é bem assim. Já que dinheiro é fluxo, é algo que entra e sai.

Porque será que eu aprendi isso? Lembrei que naquela igreja, e naquele colégio que tinha junto dele, eu formei muitas destas crenças. Eu aprendi que deveria temer a Deus, como se Deus não fosse lá um cara muito legal e estivesse doido pra me ferrar. Aprendi que, de fato, ele faz isso, porque só isso, naquela época, justificava algumas coisas ruins que me aconteceram. Aprendi que Deus não é justo, que ele dá bastante pra uns e pouco para os outros. E que depois ele tira dos que tem pouco e não dos que tem muito.

Aprendi a temer. Aprendi demais a ter medo. Medo de faltar. Medo de não ter. Medo de ficar presa em situações ruins pelo resto da minha vida. E não é que foi justamente isso que me aconteceu, de uma maneira ou de outra? De repente eu fiquei presa no medo, justamente ele. Fiquei presa numa tempestade que teve na escola, onde ficou tudo escuro, e a professora nos mostrou uma pedra do temporal lá fora.

Naquele dia, naquele lugar, sentada naquela cadeira que eu me sentei, eu não tinha medo de tempestade. Onde eu arrumei isso? Entendi que sou um compêndio de todas as pessoas que passaram pela minha vida sim, mas que isso não faz de mim uma vítima. Entendi que as coisas que eu quero muito, eu preciso ter paciência e determinação para conseguir e que não adianta eu ir atrás de outras coisas que não me farão sentir feliz como eu desejo. Entendi algumas coisas importantes lá, chorando feito doida, naquele banco de igreja. E ali, naquele banco de igreja, eu entrei à Deus. Entreguei à Ele todas as minhas frustações, todo o medo.

Entreguei todos os problemas que me parecem insolúveis. Entreguei tudo o que eu estou cansada de tentar ser, de tentar ter. Entreguei o imenso desejo de resolver tudo do meu jeito, de ter o controle absoluto de tudo. Entreguei meu cansaço, minha devoção, as crenças das quais eu não preciso mais. Entreguei como se entrega um presente para um amigo querido, esperando que ele goste. E sinto, sinceramente, que Ele só estava esperando isso de mim.

Quando eu saí estava chovendo muito. E eu estava muito mais leve. Naquele mesmo instante, começaram a acontecer algumas coisas. Mas isso eu conto depois, num segundo momento. Agora basta dizer que o Universo só faz a parte dele, quando nós permitimos. Quando nos entregamos o nosso cansaço e nosso controle e deixamos a nossa alma nos dizer o que é o melhor. Porque o nosso melhor, na maioria das vezes, é só um ideal. Ele, lá em cima, ou aqui dentro, sabe muito mais do que a gente.

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