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Nova classe média surgida com PT não entendeu recado de Aécio

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A eleição para presidente de 2014 foi marcada por um fenômeno principal. A radicalização da disputa que fez com que até o segundo turno, cujo resultado saiu há pouco, nenhum candidato tivesse a preferência clara do eleitorado. Tal fenômeno nos permite contrastar esta eleição com todas as outras ocorridas no Brasil desde 1994.

Apesar da radicalização política vivida pelo Brasil ter dois personagens principais, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, em todas as eleições disputadas pelos dois, assumiram a dianteira muitos meses antes do final do pleito, permitindo que a população se identificasse com o candidato vencedor.

Tal fenômeno fez com que os dois presidentes gozassem inicialmente de uma alta taxa de legitimidade. Este foi o caso de FHC nas eleições de 1994 e 1998, quando ele alcançou a maioria das intenções de votos meses antes da eleição, segundo as pesquisas daquele momento.

Este também foi o caso de Lula em 2002 e 2006, e de Dilma em 2010. Em algum momento da campanha eles alcançaram uma vantagem clara aos olhos da opinião pública. Já esta eleição foi dividida até o fim, com a diferença nas urnas a favor de Dilma alcançando a marca de 4 pontos percentuais.

Duas questões fundamentais dividiram o eleitorado brasileiro nesta eleição: a economia e a gestão das políticas sociais. São elas que explicam a polarização eleitoral até o final.  Em relação à economia, a disputa eleitoral pode ser resumida nos seguintes termos: o Brasil teve um ótimo desempenho econômico entre 2003 e 2010, mas teve uma performance econômica declinante entre 2011 e 2014.

A economia permitiu à oposição fazer um discurso alternativo muito mais forte do que em 2006 e 2010, recolocando em pauta uma agenda liberal. No entanto, o fato de haver uma continuidade entre os governos Dilma e Lula permitiu que ela defendesse o legado dos últimos 12 anos, que continua sendo superior ao rescaldo do período FHC em quesitos como o crescimento do PIB e o nível de emprego.

Ao mesmo tempo, a nomeação precipitada de Armínio Fraga por Aécio Neves agradou ao mercado, mas assustou o eleitorado devido a performance da economia no período em que ele foi presidente do Banco Central – época de inflação alta e PIB baixo.

Deste modo, o debate econômico, apesar de muito forte e radicalizado, foi fortemente inconclusivo nesta eleição. Essa é uma das questões que se coloca para a candidata vitoriosa. Ela deve se reaproximar do mercado de forma a ampliar o apoio hoje recebido e alcançar amplos grupos do empresariado e da classe média, que não apoiaram sua reeleição.

A segunda questão que marcou essas eleições foi o debate em torno das políticas de inclusão social, iniciadas ou aprofundadas em 2003. A Constituição de 1988 estabeleceu grandes mudanças na organização das políticas sociais no Brasil, a começar pela universalização da saúde, pela transformação da assistência social em direito e pela abertura de fortes incentivos para processos de participação social.

A verdade é que esses processos se iniciam no nível local  e foram bastante erráticos nos anos 1990 durante os governos do PSDB. O financiamento da saúde é debatido, questionado e não é bem resolvido neste momento. Na última década, ele passa de aproximadamente R$ 400 reais para R$ 700 per capita e alcança em torno de 4% do PIB. Os gastos em educação também aumentaram muito: de 4% do PIB para 6% do PIB.

Por último, o Bolsa Família é introduzido na sua forma atual em 2003 e alcança a marca de 0,5% do PIB. Todos esses programas sociais juntos são responsáveis por um melhora da situação da população de baixa renda.

Aécio Neves jamais falou que iria acabar com esses programas. Pelo contrário, ele sempre sinalizou a sua continuidade. Mas ele não conseguiu ligar as mudanças que pretendia fazer na economia com a continuidade das políticas sociais. Este foi o motivo de sua ampla derrota nos Estados das regiões Norte e Nordeste.

A forma inconclusiva como o debate econômico e o debate sobre as políticas sociais foram travados dividiu o eleitorado em dois grupos quase até o final. De um lado, o que chamamos de classe média alta, grupo definido pelo Datafolha como ganhando entre 5 a 10 salários mínimos e fortemente enraizado no Sudeste, foi o que mais claramente expressou a sua oposição a Dilma e seu apoio a Aécio Neves.

Sua oposição deve-se em parte a uma inflação no setor de serviços, do qual ela é fortemente consumidora. Ao mesmo tempo, a chamada nova classe média definida como o grupo até cinco salários mínimos esteve até o começo do segundo turno fortemente dividida. O que definiu a eleição foi o progressivo afastamento deste grupo da candidatura de Aécio durante o segundo turno.

A nova classe média se afastou da candidatura Aécio Neves devido à explicitação, ainda durante a primeira semana do segundo turno, de uma política econômica muito ortodoxa pelo economista Armínio Fraga. O ex-presidente do Banco Central, ao propor uma meta de inflação de 3% ao ano e criticar tão ortodoxamente os bancos públicos e seu papel na política econômica, assustou amplos setores da nova classe média.

Todos estes fatores colocaram a nova classe média em dúvida sobre as intenções de Aécio Neves. Foi no campo da assim chamada “nova classe média” que Dilma recuperou uma boa parte de apoio na campanha do segundo turno, o que lhe permitiu alcançar a maioria.

Vale a pena fazer uma análise do que está colocado para cada um dos principais partidos do Brasil neste cenário pós-eleitoral. No caso do PSDB, está bastante claro que a estratégia de descentralização do partido em relação ao Estado de São Paulo foi exitosa.

O presidente do PSDB foi fortemente apoiado por eleitores paulistas e no sul do Brasil, apesar da sua candidatura não ter tido uma performance muito boa em Minas Gerais. Este será o calcanhar de Aquiles de Aécio e do PSDB nos próximos quatro anos. O desafio em Minas Gerais – onde eles sofreram uma dupla derrota, para governador e para presidente – irá se somar ao desafio histórico do PSDB desde 2002, que é se implantar mais fortemente na região Nordeste do país.

Já no caso de Dilma e do PT, a vitória exige muita responsabilidade. Nenhum partido político governou o Brasil por tanto tempo em um período democrático. Mas governar implica desgaste, e o PT nestas eleições, ainda que certamente vitorioso ao ganhar pela quarta vez seguida as eleições presidenciais, colheu o desgaste do tempo excessivo no poder.

Algumas mudanças parecem fundamentais de ocorrerem no PT, em especial no Estado de São Paulo, onde enfrentou a sua derrota mais significativa. Novas práticas no campo parlamentar parecem ser de importância decisiva para o partido recuperar apoio entre a classe média das regiões Sul e Sudeste.

Por fim, tanto Dilma quanto o PT têm hoje a possibilidade de realizar a mudança que pode ser a mais decisiva, a reforma política. Muito falada e pouco praticada, parece bastante claro que o sistema político brasileiro está no limite devido a impossibilidade de se continuar com o financiamento de campanha da forma como ele existe no país.

O sistema político tampouco pode se deslegitimar mais, em especial com a eleição de um Congresso ainda mais fragmentado. Todos estes elementos apontam para a necessidade de uma reforma organizadora do sistema político que reduza o custo da governabilidade e reaproxime o sistema político da sociedade. Esta deve ser a agenda principal da presidente reeleita.

Leonardo Avritzer

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