Curta nossa página


Novos grileiros estão a postos para abocanhar orla do Paranoá

Publicado

Autor/Imagem:


Bruna Surfistinha democratizava áreas de lazer muito mais interessantes que a orla do Lago Paranoá. Aliás, ela distribuía. Talvez esse seja o desejo de quem quer mesmo promover a destruição da orla. Mas é necessário competência e autenticidade. E razão, motivo propulsor que inibe a demagogia, o cinismo, a inveja. Vamos por partes.

O projeto original de urbanismo de Lucio Costa foi para o espaço há décadas. A ideia era original e até ingênua, imaginando que a força dos movimentos da sociedade poderia ser contida em uma planta baixa arquitetônica, direcionando gente tipo A pra cá, gente tipo B pra lá, e no meio tudo misturado. Sobre isso nenhum urbanista equilibrado vai discordar.

As fachadas invertidas das lojas nas entrequadras comerciais provaram isso. Há anos o comércio está de costas para as quadras, ao contrário do planejado. O sonho das tesourinhas que evitariam semáforos deixou de existir nos anos 70.

Agora, oportunamente impulsionado por uma decisão judicial, o Governo do Distrito Federal está surfando em uma onda populista e irresponsável. A mesma decisão que mandou desocupar as áreas públicas às margens do Lago Paranoá deveria exigir um projeto global, o seu custo de implantação e de manutenção, incluindo limpeza permanente, iluminação e segurança, para a operação de liberar o pouco que restou de preservado do Lago Paranoá, antes de uma certíssima degradação da orla que virá a seguir.

E ainda existe a malandragem de usar dinheiro privado para oferecer lazer e equipamentos a uma população que não recebe educação adequada por falta de recursos para as escolas e programas de cidadania.

Mas há laboratórios que indicam como será o futuro. Na conhecida prainha do Lago Norte, frequentadores despejaram três toneladas de lixo no último final de semana. Duas viaturas da Polícia Militar, por volta das 19 horas, faziam revista em automóveis suspeitos que deixavam o local.

A imprensa desprovida de reflexão apoia e faz a cobertura sensacionalista. Distribui a notícia nacionalmente, como um fato emblemático de um governo que não sabe nem para onde vai, mas que resolveu surfar nas ondas do Paranoá.

Bruna Surfistinha fez melhor que isso. Era autêntica. Quais as sansões para o GDF caso essas áreas sejam abandonadas após a destruição daquilo que está preservado? Quem vai pagar a limpeza? O Ministério Púbico, provavelmente.

A mesma imprensa que está dando ampla cobertura ao início da destruição do Lago Paranoá deveria questionar as razões que fizeram o fracasso da mínima área da Concha Acústica, abandonada e sucateada seis meses após o GDF ter ali instalado infraestrutura para a população, como atitude de democratizar – o discursos é sempre o mesmo – a orla do nosso sagrado espelho d´água.

O GDF certamente está liberado da Lei de Responsabilidade Fiscal, pode gastar o que for necessário e dezenas de quilômetros da orla serão policiados permanentemente. E nem vai precisar ir para a televisão dizer que não tem como capinar e evitar os animais peçonhentos por falta de verba para comprar remédios de alto custo.

Os traficantes e usuários de drogas estarão na lista de recuperação da fauna local. E a nossa imprensa recalcada produz cenas aéreas muito interessantes que causam frenesi coletivo.
Bruna Surfistinha tinha muito mais responsabilidade, tratava caso a caso, com competência. O fato de ocupar áreas públicas, os excessos, todos esses fatores combatidos fazem sentido e os ocupantes irregulares exageraram em muitos casos. Até debocharam do poder público.

A questão, entretanto, não é essa. A análise deveria ter sido mais responsável. Mesmo que irregular, o fato aconteceu espontaneamente pela ausência do Estado, e a realidade é que a orla foi preservada por esses ocupantes, às suas custas. Estimam que pelo menos mil empregados de casas, clubes e outras unidades às margens do Paranoá, fazem a sua privada manutenção diária. O governo bonitinho democrático vai manter mil servidores na área?

A imprensa tem papel muito importante em revelar o que é sensacionalismo e o que é racional, equilibrado, justo. Mas prefere o sensacional. O discurso de que o GDF está democratizando o Lago Paranoá é uma mentira que vai durar muito pouco. E ela será notória no primeiro crime hediondo que ocorrer por conta de uma decisão irresponsável, sem observar costumes, desprezando a contribuição que as áreas privatizadas deram quando Joaquim Roriz despoluiu um lago que era imprestável e condenado, onde hoje é possível navegar e nadar.

Os proprietários invasores vão cruzar os braços até que o Ministério Público peça para que eles reocupem e voltem a manter as áreas que a partir de agora serão seriamente degradadas.

O Projeto Orla, concebido no mais alto padrão internacional está paralisado há anos, onde o povão que tanto o Buriti deseja, poderia frequentar com organização, ordem, limpeza e segurança. Isso, sim, é prioridade.

Agora que é governador, Rollemberg deveria saber que a Terracap é foco de investigação como a maior grileira da história do Distrito Federal. E que ele não pense que vai ganhar votos com a destruição do Lago Paranoá e seu apelo populista. Nem seus comandados. A menos que reserve muito dinheiro para manter a criatura que acaba de criar. E ainda assim sua aventura pode naufragar. Quando abrir os olhos, vai ver que no subterrâneo promover surfistinhas no Lago Paranoá pode custar caro.

Conhecendo Brasília, Rollemberg poderia ter chamado o Ministério Público para uma avaliação mais prudente da decisão, utilizando o mesmo fundamento que fez o projeto urbanístico de Lúcio Costa virar apenas um sonho de verão. Muito pouco sobrou dele. Quem manda na ocupação urbana, quando o Estado é relapso, são os cidadãos.

Tem coisa podre por trás disso. A última informação que chegou foi sobre uma reunião secreta entre interessados que pretendem vender quiosques e áreas comerciais na orla do Lago Paranoá. A grande imprensa vai combater essa falcatrua? O Ministério Público já proibiu essa possibilidade?

O dia 24 de agosto de 2015 deverá ser grifado como o dia em que um governo tresloucado, apoiado por uma decisão impensada, iniciou a destruição do Lago Paranoá que vai abrir uma avenida a interesses escusos. Em entrevista no jornal matinal local da emissora de TV que apoia o absurdo, um representante do GDF reconhece que não há nenhum projeto para a área que está sendo, segundo ele, desocupada. Órgãos ambientais não têm a menor ideia do que fazer por lá. Mas os novos grileiros das mesmas áreas públicas já estão a postos. A grilagem só vai mudar de mãos.

Comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência Estadão, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.