Curta nossa página


Olho mágico

O dia em que Jair Cardoso foi ver Deus

Publicado

Autor/Imagem:


José Escarlate

Um otimista inveterado. Assim era Jair Cardoso, que sempre brilhou com uma câmera na mão. Era um homem de paixões. Primeiro a dona Marlene, a esposa querida, e pelos quatro filhos – Jairzinho, Janete, Mauro e Maurício -, além de sete netos e um bisneto. Quando viajava recebia a listinha de presentes para eles, o que era prioridade. As outras paixões, fora o Flamengo, eram os Dodge Dart e o Landau. Jair era unanimidade. Todos gostavam dele.

O cigarro acabou com sua vida. Fumava desde garotinho. À noite, acordava para fumar. Duas e até três vezes por noite. Nas viagens, tinha um parceiro fixo de quarto: era o Adão Nascimento que, embora não fumasse, aturava as guimbas do Jair. Alertado para os problemas causados pelo fumo, dizia: “O que é isso, meu amigo Escalarte, quem não morre não vê Deus”. E ia em frente.

A Origem do Poder
Profissionalmente, a foto que fez do presidente João Batista Figueiredo, em 1981, denominada “A Origem do Poder”, foi premiada e a capa do livro anual do Jornal do Brasil. Retratava a abertura política no país. Naquela época, o general já não usava farda. Jair enquadrou com perfeição o quepe de outro general que se encontrava atrás dele – Danilo Venturini – e a continência do militar, evidenciando as origens do último presidente da ditadura. Jair Cardoso foi um dos fotógrafos mais atuantes da imprensa brasileira. Desde o início da Redentora, como chamavam a revolução, os governantes não usavam fardas. A imagem mostrava que aquele governo defendia a abertura política no Brasil.

Famiglia Cardoso
Um dia, para tratamento de saúde, Jair Cardoso foi internado no Hospital das Forças Armadas, aqui em Brasília. A seu lado, como eterno anjo da guarda, a dona Marlene. Eu e Aurora fomos visitá-lo e encaminhados a uma enorme suite, na ala principal do hospital, cercado de enfermeiras. Coisa para general quatro estrelas. Ele, trabalhava na secretaria de imprensa do palácio. Dava a sua mãozinha aos fotógrafos favorecendo o melhor ângulo, fruto da sua longa experiência. Deitado no leito, lá estava o Jair, sorridente e otimista como sempre. Indaguei a razão de tanta mordomia. Na sua simplicidade, disse, gozador, que a direção do hospital chegara à conclusão que o Cardoso do seu nome tinha relação com o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. E comentava: “Poderiam até achar que eu seria parente da Elizeth Cardoso, mas do Fernando Henrique?”

Amigos pessoais
Fez de muitos políticos amigos pessoais. Mantinha, porém, relação de respeito com eles. Um era José Francisco Moura Cavalcanti, ministro da Agricultura. Jair o tratava por “Zé de Moura”. Após deixar o ministério foi indicado governador biônico de Pernambuco pelo presidente Geisel. Zé de Moura, traido pelo coração, foi vítima de parada cardíaca. Em razão do atrito com o editor de fotografia, no episódio da foto do Médici com o touro premiado, quando colocou na legenda que “o presidente é o de gravata”, levei o Jair Cardoso para a EBN, onde reforçou o time de fotojornalistas, que já era forte. Lutando pelos direitos dos fotógrafos atuou no Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal e foi presidente do Clube da Imprensa, onde lutou em busca de um patrocinador. Em seguida, a EBN recebeu a Sonja Rego, que trabalhava com o Jair. Com a saida do Renato Pinheiro, Jair Cardoso foi requisitado para o Palácio do Planalto, onde chefiou o Setor de Credenciamento e Viagens. No trato com os colegas era maneiroso. “Não, meu camaradinha, ai não pode. Vamos procurar outro lugar”, dizia, e era atendido. E assim foi levando a vida.

“Vou sair no dia seguinte”
Jair e dona Marlene eram presenças permanentes em minha casa, no Lago Sul. Na última reunião, apesar de alegre, Jair estava verde. Brinquei: ”E então Hulk?” Ele gostou. Todos os dias nos falávamos ao telefone – eu na coluna e o Jair no Palácio – em busca de uma notinha mais “quente”. Ele andava triste. Havia sido afastado da escala de viagens – que adorava – por razões de saúde. Um dia quem liga é o Jair: “Meu amigo Escalarte, anote ai. Amanhã vou me internar no Hospital Ortopédico para um rápido procedimento. Detalhe: não precisa ir me visitar, como de outras vezes, pois vou sair no dia seguinte”. Tentei saber mais detalhes mas ele mudou de assunto. Pela manhã, me liga a dona Marlene, assustada: “Escarlate, meu filho, o seu amigo não está nada bem e eu estou assustada”. Procurei tranquilizá-la. “Tudo vai correr bem”. Eu também procurava me enganar. O caso do Jair se agravara. Amigos acompanhavam o quadro, sem coragem de perguntar o que era. Horas depois, a notícia. O querido e sempre alegre Jair Cardoso, companheiro de muitas batalhas, com suas histórias e sua alegria nos deixava para sempre. Virou uma saudade imensa, irrecuperável. Jair foi ver Deus.

PV

Comentar

Leave a Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Publicidade
Publicidade

Copyright ® 1999-2024 Notibras. Nosso conteúdo jornalístico é complementado pelos serviços da Agência Brasil, Agência Brasília, Agência Distrital, Agência Estadão, Agência UnB, assessorias de imprensa e colaboradores independentes.