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Responda com franqueza. Vale a pena viver em condomínio fechado?

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Com o aparecimento dos primeiros condomínios [ditos fechados], inicialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo na década de 70 seus residentes passaram a viver dentro de uma falsa sensação de segurança em enclaves fortificados que levaram, na mesma proporção, ao surgimento e o crescimento dos shopping centers.

Essa tentativa de isolamento, motivada por uma busca frenética por mais segurança conduziu a uma distorção do real e verdadeiro sentido da realidade urbana com um consequente afastamento de muitos dos espaços públicos, em detrimento de uma esperança de alcançar uma melhor convivência social e familiar nas cidades.

Em princípio, não se pode deixar de contestar o tipo de vida que é aquele propiciado nos condomínios fechados, onde a noção de casa, em seu princípio basilar, não existe porque ela só pode ser entendida na real dimensão de uma cidade, através da existência do fornecimento de energia elétrica, da existência de serviço de saneamento básico e da própria ligação com os demais elementos de uma cidade, para que de fato seja uma unidade inseparável de um todo urbano. Caso contrário, estaremos diante de uma visão, em que a casa é meramente um abrigo, e não um bem coletivo do qual a família usufrui.

Não é possível contestar que a partir da década de 1980, com o surgimento e o aumento destes bunkers fortificados, deparamos- nos com uma febre de moradias em edifícios e grandes lotes fechados, imitada por muitos outros prédios, que abandonaram uma melhor concepção inicial, a de integração com o espaço público, para também passarem a se fechar.

Para tanto, contribuiu uma forte campanha de marketing que, de forma falsa, buscou associar a vida nesses lugares com um ideal de felicidade, o que nunca foi real. Justificaram-se tais campanhas em razão de uma histeria provocada pela mídia, Jornais, Rádios e canais de TV que enfatizavam a violência metropolitana, divulgando-a de forma sensacionalista com, quase sempre, o acompanhamento de análises distorcidas e simplórias sobre este fenômeno.

Junte-se a essa visão equivocada a falta de organização das grandes cidades e metrópoles e teremos a verdadeira razão para tão elevada e desenfreada multiplicação desses condomínios fechados.

Estatísticas confiáveis revelam que somente no eixo RIO-SP contaremos em 2015 com mais de 800 edificações desse tipo, segundo levantamentos feitos por órgãos representativos dos condomínios.

Cabe a pergunta: não é este mito da segurança que alimenta a proliferação de shoppings e de condomínios fechados na cidade? Não será que ao se criar essa síndrome da insegurança o que se pretendeu e se conseguiu foi vender a “indústria da segurança”, levando seres humanos e tantas famílias a viverem blindadas, dentro de condomínios fechados?

Essa indústria movimenta valores que a maioria desconhece e emprega na atualidade em todo o Brasil mais de 500.000 agentes, muitos deles sem nenhuma qualificação sendo que a maioria é desprovida de condições profissionais elementares ideais que os tornem aptos ao seu mister.

Para quem de fato aprecia analisar e refletir sobre a nossa sociedade é fácil de entender que a opção de viver em espaços enclausurados, onde a sociedade está sob um maior controle, nos faz recordar realidades históricas já vividas e vivenciadas pelo Homem. Lembremos que na época medieval, os indivíduos considerados indesejáveis, leprosos, deficientes mentais, aleijados e miseráveis eram jogados em locais distantes onde eram confinados, através da dor e da disciplina, para serem “ajustados à conduta daquelas sociedades”.

Nessas sociedades sob controle, cada indivíduo, com receio do outro, estava e cada vez mais está a controlar a conduta daquele próximo, através dos mais diversos aparatos tecnológicos e da restrição consciente de sua liberdade individual, bem como a dos demais. Em uma sociedade, onde se busca implantar este tipo de “controle” de forma progressiva em nossas cidades, o ícone principal é a câmera de segurança para que se possa exercer em perímetros largos uma total e plena vigilância.

Junte-se a tais distorções a crença, por parte de muitos indivíduos, que comprando uma residência em um certo conjunto residencial, ele e a sua família terão uma vida segura, vigiada por tais câmeras. Pior: que ela será tranquila e pacífica, porque controlada através de regras pré-estabelecidas por pessoas com o mesmo poder aquisitivo e de um mesmo nível cultural, econômico e social.

A proliferação dos shoppings nas grandes cidades e metrópoles ( acredita-se que hoje em todo o Brasil totalizem cerca de 1 200) une-se àquela dos enclaves fortificados. Mas, para gaudio daqueles que defendem outros princípios de convivência familiar e social, muitos edifícios ainda buscam uma saudável convivência de seus condomínios com o espaço público demonstrando que é viável e possível um convívio social entre os diferentes.

Esse convívio certamente implicará numa maior responsabilidade social no planejamento urbano de nossas cidades e numa maior integração desses condomínios fechados com aqueles que continuam abertos ao contrário do que ocorre no presente, onde o caos urbano cada dia se acentua mais e mais, levando muitos a se excluírem do conjunto de seu bairro e da sua cidade.

A cidade fechada em condomínios e shoppings lembra aquilo que o escritor português José Saramago aponta, em O Ensaio sobre a Cegueira, quando menciona que a nossa sociedade perdeu a bondade e generosidade e que todos, sem exceção, tornaram-se vítimas de uma cegueira branca.

De fato se não percebemos que antes da criação dos grandes e majestosos planos de urbanismo temos que cultivar o sentido de urbanidade, onde deve existir um ” gostar dos outros e um querer bem ao seu vizinho ” não chegaremos a lugar nenhum.

Sim, com a ausência de uma melhor convivência social a vida se tornará cada vez mais uma prisioneira de bunkers e de prisões com cães, guardas armados e câmeras de vigilância que controlarão cada vez mais cada ser humano.

Será essa a fórmula mágica para se viver bem?

Roberto Romanelli Maia

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