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Corpo e mente

Síndrome do pânico também atinge nossas crianças

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Marcel Hartmann

Aos seis anos, Beatriz (nome fictício) começou a fazer observações recorrentes sobre chuva, vento ou trovoadas. Os pais só achavam curioso, até que os inocentes comentários evoluíram para uma crise de ansiedade à beira da piscina de um hotel no interior de São Paulo, em um dia ensolarado de dezembro do ano passado.

Com a aproximação de nuvens e ameaça de chuva, Bia perdeu o controle: ficou extremamente aflita, respirava rapidamente, passou a suar e a aumentar a frequência dos batimentos cardíacos. Desesperada, ela saiu correndo para dentro do hotel, pedindo que os pais e a irmã mais nova se refugiassem junto.

Desde então, a garota não consegue mais sair para lugares ao ar livre – parques, praças ou passeios pela rua saíram de sua rotina. A garota exibe sintomas comuns da síndrome do pânico infantil, um transtorno de ansiedade que apenas nos últimos anos vem chamando a atenção dos especialistas.

“A Bia tem grande fixação por fenômenos da natureza, como chuva, nuvens, raios e trovões. Quando acorda, a primeira coisa que faz é abrir a janela e dizer: ‘Hoje tem nuvens, pode chover'”, conta a mãe, a jornalista Ana Paula (nome trocado a pedido da entrevistada). Ao falar da primeira crise de ansiedade da filha, na piscina do hotel, Ana explica que a rotina da pequena se transformou. “Mesmo em dia de sol lindo, ela não quer fazer passeios ao ar livre, prefere ficar em casa. Ela tem noção de que é absurdo, mas mesmo assim fica ansiosa”, conta.

Em geral, a síndrome do pânico infantil não difere da manifestação em adultos: há sintomas no corpo e na mente (confira abaixo). Normalmente, ela é marcada pelas crises de ansiedade – que podem durar de cinco minutos até meia hora e, em casos mais graves, uma hora – e por algum tipo de fobia (como o medo da natureza de Bia). Se não tratada, ela pode aumentar as chances do desenvolvimento de TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo), hipocondria e depressão.

Não há dados sobre a incidência de síndrome do pânico em crianças no Brasil. Mas cerca de 5% das crianças e adolescentes ocidentais sofrem de algum transtorno de ansiedade, conforme a Associação Internacional de Psiquiatria da Infância e Adolescência e Profissões Afins (IACAPAP, na sigla em inglês), dos Estados Unidos.

Sintomas psíquicos
Ansiedade extremada, preocupação desmesurada, agitação, sensação de perigo próximo, sensação de morte, agressividade, falta de conexão com a realidade, medo de uma crise de ansiedade.

Sintomas físicos
Taquicardia, sudorese, transpiração excessiva, palpitação, tremores, calafrios, dores no corpo, tontura, falta de ar.

Nas crianças, a preocupação não é uma simples birra. Para quem sofre de síndrome do pânico, o medo assume contornos horripilantes: a possibilidade de perigo é tão real quanto a presença, de fato, do perigo. Essa luva de angústia que envolve o pensamento incapacita para atividades do dia a dia. E o medo da natureza, da violência urbana, de altura, de grupos ou de pessoas, por exemplo, impede o indivíduo de sair de casa, entrar no carro e ir para lugares com multidões, exemplifica Bruno Raffa, professor da residência em psiquiatria do Hospital São Lucas da PUCRS, em Porto Alegre, e especialista em infância e adolescência.

“Comportamentos evitativos são sinais de transtorno de ansiedade, que trazem uma preocupação excessiva em relação ao mundo”, explica o médico. Em crianças, a síndrome do pânico pode ser marcada, além dos conhecidos “ataques de pânico”, por terrores noturnos (pesadelos que fazem gritar, chorar e tremer) e a necessidade de ficar o tempo todo perto dos pais.

As crises podem ou não ser desencadeadas por um estímulo. Isto é, o indivíduo pode estar exposto ao foco do medo, mas também estar tranquilamente no sofá, assistindo à televisão.

Após enfrentar as primeiras crises, a criança adquire uma “meta-ansiedade”: o medo de ficar ansiosa novamente. “Ela evitará situações ou lugares onde sofreu o ataque de pânico, por medo de sentir o que sentiu. Isso aumenta o comprometimento da vida, e ela pode deixar de fazer o que fazia normalmente”, explica Fernando Asbahr, psiquiatra coordenador do Programa de Transtornos Ansiosos na Infância e Adolescência do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP). “A longo prazo, isso pode causar depressão ou abuso de bebidas e drogas, se não for feito o tratamento, porque o jovem se frustra ao longo do tempo, ao ficar isolado em casa”, afirma.

Causas – Pais, não adianta se culpar. A síndrome do pânico é resultado da interação entre herança genética e a relação do indivíduo com o ambiente, explica o psiquiatra Fernando Asbahr. “Ter ou não quadros de ansiedade depende da predisposição genética”, diz o médico. Famílias com histórico de transtornos de ansiedade (pais, tios ou avós) têm mais chance de descendentes adquirirem o mesmo problema.

É o caso da família de Bia. “Minha avó paterna tinha fobia de chuva. E temos outros parentes, meus e do meu marido, com problemas de ansiedade”, conta Ana Paula.

Apesar do gene influenciar, ele não explica tudo – se fosse assim, pais com síndrome do pânico teriam todos os filhos com a mesma vivência. Entra, aqui, a interação da pessoa com o ambiente, que fará (ou não) a doença se manifestar. Isso inclui desde uma experiência traumática (como bullying, um assalto, um acidente de carro, o testemunho de um incêndio ou de uma tempestade) quanto pais ansiosos e estressados, que ensinam ao filho a encarar a realidade de forma semelhante.

“Às vezes, a família é excessivamente protetora e tem uma visão muito negativa das coisas. Isso faz a criança ver o mundo sob a ótica do medo e de que as coisas vão dar errado”, explica Bruno Raffa. Como resultado, a criança visualiza a possibilidade de que algo dê errado no futuro (o que de fato, pode ocorrer – com qualquer um) como uma sentença de que o pior cenário vai acontecer. Viver torna-se, aos poucos, a tentativa de evitar uma catástrofe.

Tratamento – Não veja a síndrome do pânico do seu filho como uma sentença de má qualidade de vida, alertam os especialistas. Ela não é, necessariamente, incapacitante. De fato, a doença é motivada pela ansiedade – e como esta não tem “cura”, ao menos no sentido mais utilizado, a síndrome também não. A ciência sabe que indivíduos que tiveram síndrome do pânico em algum momento da vida têm mais chances de sofrer algum transtorno de ansiedade.

No entanto, o tratamento com terapia e, eventualmente, antidepressivos ou ansiolíticos, controla as manifestações das crises. E, com isso, permite uma vida saudável – incluindo, futuramente, a perda da fobia. A longo prazo, a medicina já tem boas orientações para controlar a ansiedade: a prática de exercícios físicos, de yoga e de meditação são algumas delas.

Na hora da crise, cabe aos pais tentar acalmar a criança. “Leve-a para um lugar tranquilo, com poucos estímulos visuais e sonoros, e faça ela inspirar por 10 segundos e expirar por mais 10 segundos. Peça que ela pense em coisas boas até relaxar”, orienta Raffa.

E, no dia a dia, procure não culpar a criança, nem cobrá-la por maturidade. Ana Paula, a mãe de Bia, segue à risca. “Eu e meu marido damos apoio, conversamos e explicamos, sem supervalorizar. A gente conversa e ela entende. A Bia é superindependente, descolada e muito inteligente”, diz a jornalista. “Ela toma florais e já está melhor. Mas acho que entraremos com a terapia, até para termos a tranquilidade de que tudo ficará bem resolvido”, diz Ana.

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