Notibras

A costumeira urbanidade de tio Jorge

Festa de família é algo que invariavelmente me estressa. Não que eu seja totalmente avessa a tais eventos, mas, caso possa evitá-los, não faço a menor cerimônia, ainda mais quando acontecem na casa de algum dos meus parentes.

— José, você não queria passar o domingo com os seus pais? Sua mãe me disse que iria fazer aquela macarronada que a gente adora.

— Margô, minha flor, mas eu prometi pra sua tia que iríamos.

A tia em questão é a Solange, irmã favorita de papai. Eu até gosto dela. O problema é o marido, tio Jorge. Sabe aquele ser inconveniente até em missa de sétimo dia? Pois é assim que ele é.

E lá estávamos todos tristonhos assistindo ao padre Carlos, quando tio Jorge soltou essa:

— Estranho, né, Margô?

— O que é estranho, tio?

— Essa descompostura.

— Do que o senhor tá falando?

— Ele nem veio?

— Ele quem, tio?

— O Mauro.

E caiu na gargalhada. Para você que não está entendendo, Mauro era outro tio, que havia partido desta para melhor há exatos sete dias. Vendo por esse ângulo, imagino que o finado esteja mesmo em um ambiente mais agradável.

Mas a última mesmo do tio Jorge aconteceu ontem, quando meu marido insistiu para que fôssemos almoçar na casa da tia Solange. Uma santa, por sinal, pois para aturar o esposo… Ah, haja estômago!

Logo após o almoço, estávamos sentados na ampla varanda, quando tio Jorge, com sua costumeira urbanidade, começou a puxar conversa comigo. Educada que sou, não quis causar imbróglios desnecessários.

— E aí, Margô, quais as novidades?

— Ih, tio, não tem novidade, não.

— E o seu marido ainda tá pisando duro?

Olhei para meu tio com ódio e respondi:

— O senhor tá variando ou tá caducando?

Em seguida, me levantei, dei dois beijos no rosto de tia Solange, olhei para meu marido e fui firme:

— José, já tá na hora de irmos embora.

E fomos!

……………………

Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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