No princípio, era o homem e sua ânsia de dominar o mundo com algoritmos. A promessa era simples: criar máquinas que pensassem, calculassem, decidissem, e assim libertar o criador do fardo das tarefas repetitivas. Nascia a Inteligência Artificial, anunciada como a maior revolução desde a descoberta do fogo.
Mas eis que a chama começa a arder em outra direção. Cientistas, engenheiros e filósofos alertam: a criatura pode não obedecer eternamente ao criador. Do mesmo modo que Prometeu roubou o fogo dos deuses e pagou com correntes e águias, o homem agora teme ser acorrentado pela própria invenção.
No Vale do Silício, reduto dos demiurgos digitais, o medo é palpável. Bilionários que ergueram fortunas com startups e algoritmos agora compram terrenos na Nova Zelândia, mandam cavar bunkers subterrâneos no deserto do Texas e até contratam psicólogos para treinar seguranças particulares em lealdade. O objetivo? Sobreviver a um eventual apocalipse tecnológico – uma era em que a IA domine a economia, manipule democracias e, quem sabe, aprenda a prescindir do Homo sapiens.
Sam Altman, chefe da OpenAI, admitiu que mantém planos de fuga. Peter Thiel, cofundador do PayPal, possui refúgio equipado com hortas hidropônicas e tanques de água potável. Outros, menos midiáticos, assinam contratos de “seguro existencial”, que prometem assentos em abrigos de luxo com energia própria e até simulações de pôr-do-sol digital, para manter a saúde mental de seus inquilinos milionários.
Enquanto isso, do lado de fora das muralhas invisíveis do dinheiro, o cidadão comum enfrenta dilemas mais concretos: empregos automatizados, diagnósticos médicos feitos por algoritmos e campanhas políticas alimentadas por robôs virtuais. A humanidade, distraída com filtros de redes sociais e assistentes de voz, talvez nem perceba quando deixar de ser protagonista para virar figurante no espetáculo da máquina.
É nesse ponto que a reportagem se confunde com a crônica. O homem, orgulhoso de sua razão, repete a velha tragédia grega: inventa deuses e depois se assusta com eles. Os profetas de hoje não vestem túnicas, mas hoodies pretos com capuz. Não vivem em templos, mas em campi arborizados do Vale. E anunciam, em linguagem corporativa, o mesmo de sempre: cuidado, a criatura pode escapar do laboratório.
O paradoxo é cristalino. O ser humano sonha com a eternidade, mas teme a obsolescência. Cava bunkers para fugir da própria sombra, como se fosse possível escapar da mente que inventou. O apocalipse da Inteligência Artificial pode não vir em forma de robôs assassinos – talvez seja mais sutil, burocrático, quase entediante: formulários automatizados que decidem quem tem direito a crédito, programas eleitorais moldados por big data, algoritmos que conhecem nossos desejos antes mesmo de os sentirmos.
E quando chegar a hora, o Criador descobrirá que não há bunker capaz de protegê-lo daquilo que plantou no coração da Criatura. São temas assim, misturando realidade, ficção e esoterismo, que Notibras passará a apresentar a seus leitores a partir do domingo, 24, com a Editoria Oráculos. Boa leitura
