Notibras

A fera que nasceu nos pântanos e morreu para virar Constelação

Nos pântanos de Lerna, onde a névoa se deitava sobre as águas como véu de sacerdotisa, repousava a Hidra. Não era apenas fera — era segredo antigo, guardiã do medo e do mistério. Suas cabeças múltiplas sibilavam como oráculos da Noite, e cada uma trazia o veneno daquilo que o homem não ousa nomear.

Hércules, filho dos deuses e dos homens, desceu àquela sombra. Não lutava apenas contra o monstro, mas contra os espelhos de si mesmo. Pois cada cabeça cortada renascia, como renascem as angústias que não são enfrentadas na alma. Só ao cauterizar as feridas com o fogo sagrado é que pôde silenciar a Hidra — não matando-a, mas transmutando-a.

E os deuses, em sua sabedoria, não deixaram que a criatura se perdesse na poeira do esquecimento. Tomaram-na pelos astros e a lançaram ao céu, para que brilhasse entre os homens como constelação. O que foi terror tornou-se guia. O que rastejava nas águas escuras agora serpenteia em luz, lembrando que até as trevas têm destino de estrela.

Quem olha a Hidra no firmamento não vê apenas um desenho do Zodíaco. Vê o mito eterno do homem diante de si mesmo: cortar cabeças não basta, é preciso iluminar a ferida. Pois cada medo oculto traz em si a promessa de um céu possível.

E assim, a Hidra fala aos que buscam o caminho: não temas tuas sombras, pois elas carregam chaves ocultas. Cada serpente que se ergue em tua noite interior é uma iniciação velada. O herói não é aquele que destrói o monstro, mas o que aprende com seu veneno.

Sob o manto do céu estrelado, a Hidra continua se movendo em silêncio. Seu corpo astral serpenteia como um lembrete cósmico de que toda escuridão é provisória, e até o mais profundo abismo pode se converter em constelação.

Em toda a Grécia ainda se louva a Hidra, filha da Noite, que do pântano se ergueu ao firmamento, onde guarda entre estrelas a memória do que fomos e do que seremos. Diz-se também que do veneno dela se faz remédio, e que sua sombra é luz. É como cada um de nós, simples mortais, ao mirar a fera no Zodíaco, recordamos que não há vitória maior do que transformar o nosso monstro interior em estrela eterna.

Sair da versão mobile