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A garota tinha uma preocupação, pois sabia que não era a melhor competidora

Nos três meses anteriores às provas, Liana intensificou seu treinamento. Estava preocupada, e com alguma razão. Sabia que era boa no arco e flecha, em especial nos disparos de longa distância, mas não a melhor: havia competidores mais fortes que ela, capazes de lançar mais longe uma flecha. Já nas corridas a cavalo, o animal da fazendinha de seus pais simplesmente não podia competir com os corcéis à disposição das moças e rapazes das famílias ricas. Ela sabia que iria receber uma montaria pelo menos competitiva, no dia da prova, mas não teria muito tempo para se familiarizar com ela.

“Só tenho uma vantagem, a de poder me comunicar com o cavalo, suplicar-lhe que voe na pista”, pensou.

No futebol, porém, o Águias tinha uma boa chance de vitória. Ela e o restante da equipe se esforçaram ao máximo nos treinos. Depois, que os deuses favorecessem o time mais empenhado.

Chegaram, afinal, os três dias das competições. Na véspera da primeira prova, de arco e flecha, Luana estava em seu alojamento, na sede dos jogos, quando se materializou uma águia majestosa.

– Saudações, princesa Lian’na – falou a aparição. Liana a cumprimentou de volta, telepaticamente; sabia que somente apenas ela avistava a águia. Apenas com os animais admitia sua condição de princesa, eles sabiam quem ela era e além disso é impossível mentir por telepatia.

– Saudações, majestade – transmitiu.

– Não sou rainha das águias, sou a ancestral de todas elas – corrigiu a enorme ave. – Amanhã, escolha as flechas com penas de águia. Isso vai levá-la à vitória.

– Vencer seria demasiado. Mas sim, gostaria de me classificar e mais, de alcançar o terceiro ou segundo lugar – admitiu Liana.

A águia gostou da sinceridade da adolescente.

– Não posso ajudá-la muito nos tiros curtos, de precisão, mas nas provas de alcance é outra coisa.

No dia da prova, Liana escolheu as flechas com penas de águia. Saiu-se relativamente bem no tiro ao alvo, alcançando um merecido quarto lugar, que a classificou para os testes seguintes. Já no tiro a distância, disparou com todas as forças e esperou, confiante, pelo cumprimento da promessa da ancestral das águias.

A promessa se realizou. Quando o projétil disparado por Liana começava a perder força, recebia uma dose extra de energia e seguia em frente, cada vez mais longe. Sua flecha cravou-se no solo logo atrás daquela lançada pelo vencedor, um homem forte, de 25 anos.

A prova seguinte era a corrida a cavalo. Tão logo lhe foi designada uma montaria, Liana foi a sua baia e conversou com ele:

– Cavalo, cavalinho, preciso chegar bem na prova de amanhã, mas nunca treinamos juntos. Preciso que amanhã você voe como o vento, corra como nunca correu.

– Saudações, princesa Lian’na – disse respeitosamente o cavalo, reconhecendo-a.

– Saudações, meu corcel – respondeu a adolescente. – Não preciso ganhar, mas gostaria muito de chegar no terceiro ou segundo lugar.

– Sinto muito, a princesa vai vencer a corrida – e dirigiu-se a todos os equinos inscritos para a prova, que ocupavam as demais baias:

– Irmãos, na prova de amanhã correrei transportando a princesa Lian’na. Que acham de fazê-la chegar em primeiro?

Todos os cavalos estabeleceram contato telepático, constataram que era mesmo a princesa e a homenagearam com um coro ensurdecedor de relinchos e mensagens.

– Viva a princesa Lian’na, a vencedora da prova!

Ela protestou, disse que chegar em segundo lugar estava ótimo, mas os quadrúpedes abafaram sua voz com protestos de “Longa vida à vencedora, nossa princesa!”. A jovem nada podia fazer, cavalos e outros bichos são monarquistas irredutíveis.

Durante a prova, o ginete conduzido por Liana correu como o vento. Mas o que a fez vencer foi a redução da velocidade dos demais cavalos que, ao ficarem para trás, enviavam-lhe mensagens do tipo:

– Arranque até a vitória, princesa Lian’na!

Ela mal tinha tempo para agradecer-lhe, antes que o animal seguinte fosse ultrapassado.

Depois de receber uma guirlanda de flores pelo triunfo, depois de os rapazes e moças das famílias da elite coçarem a cabeça, perplexos, sem entender por que suas montarias haviam repentinamente reduzido o galope quando a vitória estava tão próxima, Liana percebeu que se encontrava em segundo lugar na classificação geral. Tudo seria decidido na partida de futebol. Estariam no jogo seus mais próximos concorrentes, outra moça do Águias, que ocupava a terceira posição, e o centro-avante do time rival, Falcões, primeiro lugar até aquele momento.

Na tarde seguinte, o estádio estava cheio. Torcedores dos dois times confraternizavam; uma briga por paixões futebolísticas era algo inimaginável em Lian. Pouco antes do início do jogo, uma enorme foca materializou-se diante dela.

– Saudações, poderosa ancestral das focas (ela havia aprendido a lição ensinada pela águia).

– Saudações, princesa Lian’na – respondeu a foca, satisfeita com a cortesia da moça. E prosseguiu:

– Uma descendente minha a salvou da morte, naquele naufrágio. Hoje, meu povo vai assegurar a vitória de sua equipe.

– Como? De que modo? – perguntou Liana.

– Esqueceu que a bola do jogo é feita com o couro de nossos bebês mortos? Podemos contatar as células do material, influenciá-las. Basta pensar em mim, quando estiver perto da área dos Falcões, e chutar com força. Faremos o resto.

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O epílogo (parte III) deste folhetim será publicado na quinta-feira, 14.

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