Flor chegou no meu apartamento no início de dezembro. Uma cachorrinha yorkshire de uns três meses de idade, mescla perfeita de pelos, energia e fofura. Foi trazida por minha filha Marianapoulos e minha neta Ligiapoulos. Ou seja, um presente de grego.
Não é que eu não goste de cachorros. Até gosto, mas acho que um apartamento não é o espaço ideal para eles. Especialmente no caso de uma filhotinha que não podia sair na rua, o ciclo de vacinação ainda não fora completado. Apesar das juras das duas gregas de que a presença delas seria temporária (e foi), quase tive um enfarte. E meus gatos, idem. Sabem memes de gatos, de pé, os olhos esbugalhados de horror?
Pantera, Lua, Flechinha, Sid e Prince ficaram iguaizinhos, vendo aquela coisa estranha correndo pela casa sem parar, comendo a comida deles e ignorando solenemente o banheirinho, muito mais divertido cagar e mijar pelo apartamento inteiro.
Depois que passou o susto, eles começaram a discutir a invasão.
– Que é isso? – perguntou Flechinha.
– É um filhote de cachorro – explicou Lua, a única de meus gatos que já tinha visto cães.
– Ah, filhote. Então, o jeito é aguentar – disse Pantera, com um suspiro.
Prince e Sid só rosnaram, carrancudos.
– Arf! – onomatopeizou a recém-chegada.
Tentando conquista-los, e conquistar-me, apelou para seu truque de fofura: deitou de barriga para cima e levantou as patinhas dianteira.
Uma graça, mas logo buscou outras formas de confraternização, cheirando o fiofó dos gatos (graças aos deuses, não o meu; só lambia meus pés) e pulando no cangote deles, com mordidas leves. Resultado, abandonaram o chão para a intrusa e ocuparam mesas, estantes, todos os níveis mais altos. E passaram a andar em grandes saltos sobre a cachorrinha, que nem gazelas.
Flor logo escolheu sua vítima predileta: Lua. Montava nas costas dela, quase a impedia de andar, e a gata, impassível. Uma presa mais divertida era Flechinha, a mais nova da casa. A pobre tentava escapar, e Flor a perseguia, cheirava-lhe as partes baixas, não a deixava comer.
– Arf! Não é gostoso brincar assim?
– Não! – miou Flechinha, aflita. Mas Flor não falava gatês.
Meus motivos de estresse eram outros. O apartamento ficou cheio de cocô de cachorro, continuamente removido e continuamente reposto. As lambidas no pé não incomodavam, mas não me acostumava com os arf!, acompanhados por olhares de adoração. Gatos são aristocratas de boas maneiras, e em geral tratam os humanos com silencioso desdém. Cachorros, em especial filhotes, são plebeus barulhentos e nos olham como se fôssemos deuses.
Confesso que a transição de escravo de cinco gatos a divindade de uma filhote de yorkshire me abalou.
Seja como for, convivemos, os cinco gatos, a cachorrinha e eu, até perto do Natal. Monstraflor, como eu havia passado a chamá-la, voltou para o interior com minha filha. No dia 26, ela postou:
– Flor está miando.
Não estranhei, era quase inevitável, depois de quase um mês de contato com meus gatos. Mas, no dia 27, acordei com sons estranhos:
– Arf!
– Arf!
– Arf!
– Arf!
– Arf!
E olhares de adoração para mim. Depois, os gatorrinhos (ou cachorratos, como queiram) saltaram sobre mim, lambendo-me. E correram pela casa toda, perseguindo-se, subindo no lombo uns dos outros – e cagando e mijando em cada centímetro do assoalho. O jeito é rezar para Bastet, a deusa gata do Antigo Egito, pedindo-lhe que felinize outra vez suas ferinhas.
