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A maioria dos analistas falava em violação, mas…

Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito,

O presente texto destina-se a apresentar a Va. Exa. o tratamento brutal a que fui submetida. Meu advogado considerou que eu não devia produzi-lo, pois não domino a linguagem jurídica. Mas insisti pois, afinal, ninguém melhor que eu sabe o que se passou.

Alguns estão falando em algo consensual, pois estou sempre junto a ele; chegam a dizer, brincando, que não largo do seu pé. Pode até ser verdade, mas, juro, não foi escolha minha. Ordenaram-me fazê-lo, simplesmente obedeci. Se dependesse de mim, não chegava nem perto daquela pele avermelhada, carcomida pela erisipela, argh!

A maioria dos analistas fala em violação. Mas não foi violação, senhor juiz, e sim algo muito pior: um estupro brutal.

Tudo começou de madrugada. Eu dormia, quando senti que algo grande, duro e quente me cavucava, tentando atingir minhas entranhas. Diga por favor a verdade, senhor juiz: se acordasse com algo grande, duro e quente tentando penetrar em suas entranhas, o senhor ficaria quieto ou reagiria? Coluna 2, não é mesmo? Eu reagi, disse não, ele foi em frente, aquele machista imbecil parece ignorar essa decisiva conquista das mulheres de nosso tempo, “Não é não”. Então dei um berro que foi ouvido lá em casa, lá de onde eu vim.

Com o susto, o estuprador parou, ficou se borrando de medo. O resto do episódio é de conhecimento público. Tão logo amanheceu, policiais penetraram na residência onde ele e eu estávamos e o levaram para a prisão. Fui junto, não teve outro jeito, continuava presa a ele. Decidi então aproveitar o contato com tantos agentes da lei para denunciar a tentativa de estupro, mas parece que não me ouvem. Diante do silêncio, pensei em enviar-lhe este breve depoimento, o senhor é minha derradeira esperança, senhor juiz.

O pior é que os policiais sabem, proclamam urbi et orbi, mostram nos programas de televisão, que estou toda queimada; aparentemente, a coisa grande, dura e quente que me cavucava, tentando penetrar em minhas entranhas, era um aparelho de solda. Eles consideram que não passo de uma evidência material do acontecido. Ora, senhor juiz, posso não ser exatamente humana, mas tenho sentimentos.

Diante do exposto, solicito que Va. Exa. se digne acrescentar às acusações que incidem sobre o apenado, aquele mau cidadão, mais uma, por tentativa de estupro. Sem anistia para golpistas e estupradores!

Sem mais, reitero minha confiança na justiça brasileira, segura de que esta atenderá aos rogos de uma pobre (e seriamente queimada) tornozeleira eletrônica.

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