Alice, dois anos, queria porque queria ir ao parquinho como todos os dias. Mas eis que amanheceu com aquela chuvarada, que se estendeu por toda a tarde, o que deixou a criança impaciente. O pai, que estava de férias, resolveu dedicar o tempo todo ao lado da filha, enquanto a mãe vivia em reuniões no trabalho.
O homem, que adorava aqueles momentos, parecia se divertir até mais do que a pequena Alice. Era como se revivesse o seu tempo de infância, quando sua avó lhe contava e recontava histórias. Naqueles idos, também havia o galinheiro no quintal, com o galo cantando cocoricó a todo instante. E o então menino morria de medo do dono do terreiro, ainda mais porque o bicho tinha fama de bicar a criançada.
O pai pegou um livro de animais da fazenda. Alice pareceu encantada. Os dois imitaram a vaca, imitaram o cavalo, imitaram o porco, imitaram o pato, imitaram até o jumento e, óbvio, não poderiam faltar as imitações do galo, da galinha e dos inúmeros pintinhos.
Depois foi a vez do livro sobre os bichos da selva. Lá estavam o tamanduá, a onça, o jacaré, a coruja, a anta, a capivara e até a jiboia. Mas a menina ficou encantada mesmo foi com o lobo-guará.
— Au-au!
— Não, Alice. Esse aí é o lobo-guará.
— Au-au!
Não tinha conversa e, por isso, o pai gargalhou do próprio pensamento. Aquele lobo-guará parecia mesmo um cachorro. Mas um cachorro de pernas compridas que nem girafa. O exagero fazia parte da brincadeira.
Também brincaram de pintar, de colar, de amassar papel, de encher balão e fazer um monte de bolhas de sabão. Tudo dentro de casa. Aliás, casa de criança, do tipo que nem adianta arrumar arrumadinho, pois já desarruma desarrumadinho.
Quando a mulher chegou, viu o marido e a filha deitados no tapete da sala. Adormecidos, mas com semblante de felicidade. Ela desejou se deitar também. Tirou os sapatos que a apertavam e se esparramou ao lado. Como é bom deitar no tapete, pensou. Fechou os olhos e, abraçada ao esposo e à filha, dormiu.
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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).
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