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A menininha inocente, a floresta e o lobo mau

A fábula de Chapeuzinho Vermelho, registrada por Charles Perrault, em 1697, e reelaborada pelos Irmãos Grimm (1812), configura-se como um dos contos europeus mais difundidos no mundo. Sua permanência na cultura ocidental revela a força de seus arquétipos centrais — a menina, a floresta e o lobo — que funcionam como metáforas estruturantes do imaginário coletivo e simbolismo esotérico. Contos de fadas desse tipo operam como narrativas de iniciação, conduzindo o leitor a um processo iniciático de amadurecimento, revelação e crescimento.

A travessia da floresta, o encontro com o lobo e o confronto entre inocência e astúcia podem ser analisados tanto como drama psíquico como o mistério da existência humana. Para o psicanalista Carl Jung, a figura do lobo representa o arquétipo da Sombra, isto é, o conjunto de impulsos reprimidos que ameaçam romper o equilíbrio da consciência. A menina, por sua vez, encarna o arquétipo do self em formação, cuja jornada implica atravessar territórios desconhecidos permeados de perigos e desafios. A floresta, elemento recorrente nas tradições europeias como lugar enigmático e temido, simboliza o espaço liminar onde o indivíduo se depara com provações necessárias ao crescimento.

No hermetismo e na magia natural, a floresta corresponde ao domínio da deusa-mãe, da fertilidade e das forças elementais. Chapeuzinho Vermelho, ao atravessá-la, encena um rito de passagem feminino, semelhante às jornadas simbólicas presentes em mistérios lunares e tradições wiccanas.

O lobo, tradicionalmente visto como ameaça, possui ambivalência na mitologia e na magia. Enquanto figura da Sombra na psicologia, ele também é guardião dos limiares e iniciador da passagem ritual. Em diversas tradições xamânicas e neopagãs, o lobo é animal totêmico associado à intuição, ao instinto e ao despertar interior. Assim, o antagonista da história não é apenas destrutivo, mas atua como catalisador do processo de transformação — aquilo que na alquimia seria o solve, necessário para que o coagula ocorra.

Do ponto de vista literário, a interação entre Chapeuzinho e o lobo pode ser interpretada como jogo de manipulação discursiva: o lobo persuade, engana e reorganiza o contrato narrativo a seu favor. A fala sedutora do antagonista funciona como metáfora para mecanismos sociais de convencimento e vulnerabilidade, expressando riscos associados à ingenuidade.

Na abordagem contemporânea, estudos feministas ressaltam que a fábula expressa tensões entre controle do corpo feminino, sexualidade e poder. O capuz vermelho, cor associada ao sangue, ao erotismo e ao perigo, transforma-se em signo complexo que articula medo, transformação e identidade.

Assim, Chapeuzinho Vermelho transcende a função de simples narrativa infantil, constituindo-se como matriz simbólica que aborda o confronto entre inocência e perigo, consciência e sombra, cultura e natureza. Sua riqueza hermenêutica garante sua permanência como objeto relevante capaz de dialogar com campos diversos, como psicologia, linguística, literatura, antropologia e… magia.

Na Wicca, narrativas envolvendo jovens mulheres na floresta representam o encontro com a Deusa, o Sagrado Feminino e a sabedoria ancestral da Natureza. Chapeuzinho é, então, uma buscadora que enfrenta o caos para emergir fortalecida. O lobo figura como prova necessária à maturação espiritual. Dessa forma, a fábula articula temas caros à espiritualidade neopagã – natureza, intuição, coragem e transformação.

Ao integrar psicologia, antropologia, semiótica e esoterismo, percebe-se que Chapeuzinho Vermelho não é apenas um conto moral, mas um mito de iniciação que dialoga com tradições mágicas, alquímicas e wiccanas. A narrativa permanece relevante porque reflete o drama simbólico do desenvolvimento humano — a necessidade de confrontar a Sombra, atravessar a floresta interior e renascer em uma nova forma de consciência.

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Bahirah Abdalla
Mestre Conselheira do Colégio dos Magos e Sacerdotisas
@colegiodosmagosesacerdotisas

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