Na esquina da cidade, onde o asfalto respira e o relógio parece sempre atrasado, há uma pressa que não explica seu destino. É a pressa dos que correm sem ter para onde ir, um frenesi silencioso que pulsa nos passos apressados, nos olhares que fogem do presente, nos ombros que carregam o peso de um vazio disfarçado de urgência. E ali, entre o vaivém da rua, a vida se desnuda, poética e inquieta, como um rio que corre sem saber para qual mar.
Naquela manhã, sob um céu que hesitava entre o cinza e o azul, vi a dona Clara, com sua bolsa de couro gasta e o cabelo preso às pressas. Ela atravessava a avenida como se o mundo dependesse de seu próximo passo, os pés batendo no chão com a determinação de quem tem um prazo a cumprir. Mas, ao parar no semáforo, seus olhos traíram o segredo: não havia destino. “É que ficar parada me mata”, ela me disse uma vez, num raro momento de confissão, enquanto esperávamos o mesmo ônibus que nunca vinha no horário. A pressa de dona Clara era um escudo, uma forma de enganar o vazio que a perseguia desde que os filhos cresceram e a casa ficou grande demais. Correr, para ela, era provar que ainda estava viva, mesmo sem um porto à vista.
Ao lado, o rapaz de mochila nas costas, fones de ouvido pendurados como amuletos, caminhava com passos largos, o celular na mão brilhando com notificações que ele ignorava. A pressa dele era nervosa, quase coreografada, como se cada segundo parado fosse uma ameaça. Mas, ao cruzar com ele na padaria, ouvi-o dizer ao caixa: “Tô só matando tempo até a noite.” Matando tempo. Que ironia, correr para matar o que já nos mata. Ele corria de si mesmo, da quietude que o obrigaria a encarar as perguntas que o silêncio traz: o que quero? O que sou? A pressa era sua fuga, uma dança frenética para não ouvir o eco da própria alma.
E havia a moça de saia azul, com um caderno apertado contra o peito, atravessando a praça como se o vento pudesse roubar seu futuro. Ela parecia carregar o peso de um prazo, mas seus olhos vagavam, perdidos, como quem busca um horizonte que não existe. Certa vez, no café, ela deixou escapar que escrevia poemas, mas nunca os mostrava. “Falta tempo”, disse, enquanto corria para lugar nenhum. Sua pressa era um disfarce, uma forma de adiar o momento de se sentar com suas próprias palavras, de enfrentar a vulnerabilidade de ser vista. Correr era mais fácil do que parar e se reconhecer.
Eu, parado na calçada, com meu café esfriando na mão, observava esse desfile de urgências sem fim. A pressa dos que não têm para onde ir é um poema sem rima, uma elegia ao tempo que escapa. Cada passo apressado é um verso, cada suspiro é uma estrofe, e o conjunto forma uma canção que ninguém ouve, mas todos cantam. Eles correm, não para chegar, mas para não parar, porque parar é perigoso, é onde o vazio sussurra, onde a alma pergunta: “E agora?”
A cidade segue, com seu barulho de motores e buzinas, e a pressa continua, como um rio que não sabe para onde vai, mas insiste em correr. E eu, com meu café já frio, penso que talvez a verdadeira coragem não esteja em acelerar, mas em desacelerar. Parar, nem que seja por um instante, e ouvir o que o coração murmura quando o mundo cala. Porque, no fundo, a pressa dos que não têm porto é só um jeito de buscar, sem admitir, um lugar onde finalmente possam ancorar.
