Uma amiga argentina me enviou uma reportagem do La Nación sobre Tita e Polaco, dois gatos de um casal amigo seu, Gisele e Eduardo. Quando li o texto e mostrei as imagens para meus quatro gatos, eles roeram as garras de inveja.
Gisele, a dona (escrava, lógico) de Tita e Polaco, havia observado sobre os dois: “Son gatos celebrities, viven en la farándula”. Ao saber dessa definição, meus gatos ficaram na ponta das patinhas.
– Também queremos ser celebrities, viver en la farándula! – protestou Pimenta. Ela é uma gata de uns 19 anos, louca e adorável, que me adotou como seu pet (além de escravo, lógico) e protetor contra os demais felinos da casa. Ela é mais articulada que os outros, pois mora em cima do meu PC e costuma passear sobre o teclado, de preferência quando estou escrevendo.
Pantera, por sua vez, me perguntou o que era farándula. Ela é bem jovem (menos de 3 anos), bruta – sua diversão predileta é bater na Pimenta – e analfabeta em portunhol, quanto mais em lunfardo, a gíria portenha. Eu guglei e informei:
– Farándula significa mundo do espetáculo. – E expliquei. – Gisele e Eduardo, seu marido, recebem muita gente em seu apartamento, e os dois gatinhos adoram viver sob os holofotes, quer dizer, se exibir.
– Por que você não faz a mesma coisa aqui? Quero mais escravos! – exigiu Prince. Ele é um gato gordíssimo, com longínquos ancestrais angorás, que parece um Buda ditoso (obrigado, João Ubaldo Ribeiro) e muito peludo.
Recorri ao bom e velho Marx e apliquei que toda sociedade se divide em classes – nobres e plebeus, burgueses e proletários, gatos celebrities (os de Gisele) e gatos boias-frias (os meus). E que eu era rabugento demais, e tinha um apartamento detonado demais para receber hóspedes no esquema bnb (a referência ao bnb é pra vocês; nem mencionei aos gatos, não iam entender pissirongas).
– Rabugento? Tu tá é veio, veio! – resumiu Lua. – Reforma o apartamento e traz os maluco! Vai que algum deles me solta na rua?
Lua é uma mestiça de siamês gorda (contradição em termos, sei disso, mas que fazer?) de 4 anos. Pelo porte e cor do pelo, lembra uma aristocrata havaiana – grande, de carnes abundantes e dourada. Minha neta é a dona (escrava, lógico) dela. Foi criada no interior, em uma casa, e é a única dos meus gatos que conhece rua. Talvez por isso sua linguagem lembre a de um membro de torcida organizada de futebol
– Leva a gente pra esse apartamento que a gente janta os playboy! – propôs Lua. Pantera concordou de imediato:
– Bater em burguesinho deve ser gostoso – disse ela, com um sorriso ameaçador que mostrou suas presas afiadas. – Melhor que bater na Pimenta…
Então, Gisele e Eduardo, vocês estão avisados. Se eu aparecer na Argentina segurando quatro jaulinhas das quais escapam rosnados, escondam Tita e Polaco e os protejam com a vida. Pimenta, Lua, Pantera e Prince já estão pressionando para viajar e eu, escravo obediente, perigo ceder. Depois disso, la vida en las callecitas de Buenos Aires jamás será la misma.
