Notibras

A Senhora do Terço no Parque

Era fim de tarde no parque, e o céu parecia emoldurado por um pincel delicado: tons de laranja, lilás e dourado se derramavam sobre a pista de corrida como se Deus, artista paciente, tivesse decidido assinar o dia com calma. Eu corria, tentando vencer o próprio corpo, sentindo a respiração entrecortada, o suor escorrendo, e a cidade ao redor vibrava em sons de passos, risos, músicas que escapavam dos fones de ouvido de quem passava.

E foi no meio desse cenário comum que o extraordinário se revelou.

Uma senhora, de passos firmes, caminhava devagar. O rosto sereno, o olhar voltado para dentro, como quem caminha não apenas no espaço, mas também na alma. Nas mãos, um terço. Contava as contas uma a uma, em silêncio. Seu corpo se movia na cadência da caminhada, mas sua mente parecia levitar em oração.

Aquilo me atravessou. Não pela novidade, mas pela intensidade. Em um tempo em que quase tudo é velocidade, urgência e dispersão, aquela mulher lembrava ao mundo que ainda existe quem saiba desacelerar para rezar, quem transforme o ato de caminhar em liturgia, quem faça do corpo em movimento um altar improvisado.

Eu, no meu ritmo apressado, vi nela um contraste vivo: enquanto eu corria contra o tempo, ela caminhava com ele. Enquanto eu buscava queimar calorias, ela incendiava o coração de fé. Havia algo de divino naquele instante não no sentido distante dos templos imponentes, mas no milagre discreto de existir, de rezar em meio à vida cotidiana.

Pensei que talvez fosse esse o segredo: orar sem se isolar, transformar o parque em capela, fazer da vida um rito contínuo. A senhora caminhava, e cada conta do terço era como se semeasse paz pelo chão, como se o mundo ao redor fosse abençoado pelo simples fato de ela estar ali, naquele momento, rezando entre árvores e passos apressados.

Continuei minha corrida, mas já não era a mesma. Aquela imagem ficou em mim como uma revelação: o sagrado não está apenas nos altares; ele se revela nas esquinas, nos parques, nos gestos simples que quase sempre ignoramos. E entendi, ali, que correr pode ser um desafio físico, mas presenciar a fé em movimento é um privilégio espiritual.

No fim, o sol se despediu atrás das árvores, e fiquei com a sensação de que Deus, sorrindo, caminhava ao lado daquela senhora.

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