Era inverno e a menina saiu para passear com o avô numa grande praça no centro da cidade.
A graminha estava toda queimada pela geada e as árvores já quase carecas pela queda das folhas.
O vento soprava forte e não havia ninguém mais na rua.
A certa altura, o avô parou próximo de alguns jovens carvalhos.
— Está notando alguma coisa estranha, querida? – perguntou o avô.
— Não sei… Hum… Acho que sim -respondeu ela insegura-. Essas arvorezinhas ainda têm folhas. Estão todas sequinhas, mas as folhas ainda não caíram; estão lá!
— Certíssimo! Os carvalhos nunca deixam cair todas as folhas durante o inverno. E sabe por quê?
A menina pensou, pensou e abanou a cabeça dizendo que não.
— Ouça – disse-lhe o avô.
Naquele instante, uma rajada de vento sacudiu os ramos e dos ramos saiu um barulhinho seco e leve. Parecia muito com o barulhinho da cascavel que viu na televisão.
— Ouviu? Esta é a voz do carvalho no inverno. Se não fossem as folhas secas, poderia ser facilmente confundido com a da goiabeira ou do eucalipto. Cada árvore tem a sua própria voz. Só é preciso aprender a ouvi-la.
A tarde chegou e o sol começou a se despedir do dia.
Caminhando para a saída da praça, a menina não sentia mais o nariz e os pés. “Brrruuuumm! Mas que frio!”, comentou. Apenas a mão que segurava firme a do avô ainda estava quente. De vez em quando um saco de plástico de supermercados rodopiava no ar como pipas enlouquecidas.
— Vovô – gritou Beatriz-, os sacos de plásticos também falam?
— Sim, os saquinhos, as latas, todo lixo que a gente produz…
— E as pedras?
— As pedras, os rios, os mares, as flores…
— E os carros?
— Víxi! Esses falam demais e muito alto. Para não falar dos ônibus, dos caminhões e dos tratores
— E as roupas secando no varal?
— Sem dúvida alguma, meu amorzinho, sem dúvida… elas também falam. Se você prestar bem atenção nos lençóis balançando ao vento, na graminha verdinha que cobre o quintal, ah! Pode descobrir uma linguagem bem especial…um poema inteiro…
Naquela tarde, ao retornarem para casa, a menina montada de cavalinho nas costas do ainda bem conservado avô sussurrou bem baixinho em seu ouvido.
— Avô, você sabe mesmo de tudo!
O avô acariciou a cabeça da neta com a mão direita e, com a esquerda, enxugou disfarçadamente uma pequena lágrima que desceu por seu rosto.
— Talvez, meu Anjinho… Talvez minha pequena doidinha… Talvez!
Permaneceram assim, caminhando em silêncio, enquanto a voz do vento frio cantarolava uma canção de ninar.
E o Sol desceu lentamente por detrás dos prédios da velha cidade e a noite acolheu a solidão das pessoas.
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Gilberto Motta é escritor, jornalista e pesquisador de sonhos, palavras e vozes aparentemente desconhecidas. Vive numa pequena pousada na vila da Guarda do Embaú, litoral de SC.
