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Agripina, Sêneca e Nero, o triunvirato quase divino que desmoronou Roma

Agripina, bem mais jovem do que o marido, pensou em preparar Nero para a função de imperador, visto que conhecia o gênio impulsivo do filho, seu desprezo pela cultura e também pela arte da política.

Requisitou, então, o melhor preceptor que poderia haver naquela época: o sábio e filósofo estoico, Sêneca.

E aqui faço uma breve pausa para destacar a importância desse personagem:

Lucius Senêca resgatou para a história a beleza e a profundidade da filosofia estoica dos antigos gregos. Sem as suas obras, a riqueza desse pensamento que influenciou inúmeras correntes do pensamento humanista e inclusive algumas religiões em destaque nos dias atuais, poderia ter ficado perdida.

O estoicismo é exatamente a contraposição humana á concepção trevosa de Haddes e seus seguidores, visto que tem como centro quatro princípios basilares: coragem, justiça, autocontrole e busca contínua pela sabedoria.

Sêneca dedicou-se de corpo e alma à função, conseguindo até mesmo que o festivo e indisciplinado jovem se interessasse por música, poesia e História.

Após governar por treze anos, Cláudio morreu de causas não esclarecidas, o que levou a suspeitas de que ele tivesse sido envenenado por Agripina, fato que ela sempre negou.

Nero, então, assumiu o título de imperador, mas, na real, o governo foi exercido por um bom tempo por Agripina e Sêneca que, juntos, governaram harmoniosa e admiravelmente, mostrando a Nero o que e como fazer quando estivesse por conta própria no futuro.

Bem, hermano, aí voltamos a Hades e seu projeto sub-reptício. O deus das sombras viu em Nero a oportunidade que esperava. Ele tinha observado e avaliado bem a índole rebelde do jovem e sua tendência para a crueldade e promoção do caos. Então, cooptou e instruiu detalhadamente uma encantadora jovem patrícia para se aproximar dele e, aos poucos, acender no imperador os sentimentos de egoísmo, revolta irrefletida, ciúme, inveja e consequente contestação à orientação política- administrativa exercida por Agripina e Sêneca.

-Hum…estava tudo indo bem demais, não é mesmo? Observou, Carlos.

-Pois é, apesar dos cuidados de Agripina e Sêneca, Hades encontrou terreno fértil para plantar a banalidade do mal na mente do imperador.

Logo, todo o trabalho de Sêneca havia se perdido. Nero, paulatinamente, foi se afastando da convivência e do conselho da mãe e do preceptor.

O imperador começou a tomar decisões administrativas absurdas e a hostilizar o Senado romano, perseguindo e ameaçando qualquer senador que criticasse as suas medidas.

Agripina, do alto da sua experiência, via que o governo logo iria naufragar nessa batida e chamava o filho às falas, o que piorava o humor do imperador. A tentativa de tutela da mãe o deixava cada vez mais irritado.

O atrito entre eles se agravou, até que, assumindo de vez o seu lado mais sombrio, Nero exasperou-se e mandou assassinar a própria mãe, alegando, depois, que ele apenas reagiu a uma tentativa de assassinato por parte de Agripina.

Então estava feito, Hades havia assumido o completo controle do espírito e da mente do imperador e agora podia colocar em prática o seu plano de implantar o caos e o sofrimento no império.

-Qué tonteria, hermano! Um matricida sem escrúpulos, indignou-se, Carlos.

-E usted ainda não viu nada, amiguito!

-Impressionante, Hermes, mas ainda não vejo o que tudo isso tem a ver com a nossa situação presente

-Calma, hermano…ainda chegaremos lá!

-Certo, então conte!

-Uma vez livre da mãe-conselheira e conforme previsto por Hades, Nero deu vazão a tudo o que o poder autocrático tem de mais potencialmente podre e danoso: delírios de grandeza e de divindade, gosto pelo abuso, sadismo, irresponsabilidade, perda completa de empatia e de limites, embrutecimento.

Agastado e decepcionado, Sêneca sentiu-se impotente e afastou-se do Conselho do Imperador, recolhendo-se à vida privada logo após ser objeto de chacota por parte de Nero e de seus novos amigos durante uma palestra sobre a sua obra mais recente, sessão ocorrida no teatro erguido em homenagem ao grande Júlio César.

Então, Nero, inspirado por Hades, inebriado pelo falso brilho do poder absoluto e agora sempre seguido por um séquito de apoiadores que o chamavam de “mito”, teve uma ideia brilhante, na concepção dele, é claro.

Iria construir uma nova Roma e, por tabela, livrar-se-ia dos estrangeiros-imigrantes e dos adeptos de uma nova religião introduzida na Urbs denominada cristianismo.

-E de que forma ele pensou em fazer isso? No mínimo, de um jeito muy sinistro, imagino, presumiu, Carlos.

-Por supuesto, muy sinistro, hermano! Prosseguindo, pois…

-Nero, completamente dominado pela banalidade do mal, tão ao gosto do seu inspirador, Hades, concebeu e executou um plano que previa um incêndio devastador em vários bairros de Roma, exatamente aqueles onde residia a parcela mais pobre da população, imigrantes e cristãos.

Nesta ação nefasta, o imperador contou com a ajuda de alguns integrantes da sua guarda pessoal, bem como de integrantes-raiz do seu cercadinho.

Nesse dia terrível para os romanos, ele se deslocou para um sítio próximo da cidade, onde permaneceu tocando harpa e recitando poemas a maior parte do tempo.

Ao fim do dia, após as chamas terem destruído boa parte da cidade e mutilado ou matado milhares de pessoas, ele retornou a Roma e, lacrimoso, fez um pronunciamento no Senado acusando os cristãos do tenebroso feito, ao mesmo tempo em que apresentou um portentoso plano para a reconstrução da cidade, sendo então ovacionado como salvador da pátria pelos discípulos que estavam estrategicamente postados.

Milhares de cristãos e imigrantes foram presos e, posteriormente, jogados aos leões nos anfiteatros de jogos e lutas de gladiadores.

-Inacreditável…espantou-se, Carlos!

-Vários senadores e próceres da cidade não precisaram de muita argúcia para saber o que estava por trás daquilo tudo. No dia seguinte ao grande incêndio, reuniram-se na casa de Sêneca para discutirem a terrível a situação que, sem dúvida, requeria uma atitude de quem não suportava mais viver sobre a sombra do mal que tinha se instalado na cidade e que, agora, emanava sem disfarce e de forma assustadora do trono de Roma.

Decidiram enviar emissários até os generais e governadores de algumas províncias do Império que sabiam não estar alinhados com a loucura genocida de Nero.

-Até que enfim alguém tomou uma atitude contra esse monstro despótico, aprovou, Carlos.

-Não obstante, a ação foi descoberta e delatada por espiões ao imperador. Muitos senadores foram presos, entre eles, Sêneca.

Nero foi visitar o ex-preceptor na prisão e, friamente, ordenou que ele se suicidasse. O filósofo concordou com a ordem e solicitou que o ato fosse realizado em sua casa, na presença de amigos e familiares, pedido que foi concedido pelo imperador como um gesto de “caridade” e de “gratidão” pelos serviços prestados à família imperial pelo famoso sábio.

-Que terrible…sem dúvida, agora estoy a ver várias semelhanças com o que acontece por aqui, exclamou o então atento ouvinte de Hermes.

-Pois é…mi amigo!

-E depois, o que aconteceu? Quis saber Carlos, já ansioso para saber o fim da história.

-Nero estava absolutamente seguro do seu poder e acreditava que nada e nem ninguém poderia ameaçá-lo. No entanto, um emissário enviado pelos opositores conseguiu furar o cerco da sua guarda e levar as notícias do que ocorria em Roma para o governador da província da España, Sérvio Sulpício Galba.

-Galba era um político respeitado em Roma e um general moralmente rígido e experimentado. Então, ao saber das notícias da sua cidade, enviou emissários a governantes de outras províncias, recebendo respostas positivas a respeito da proposta de uma ação conjunta para depor o louco e genocida imperador.

-Ufa, ainda bem…e a revolta, deu certo?

-Após dois meses de preparativos, Galba iniciou a marcha para Roma à frente de seu exército e logo a notícia chegou a Roma. O Senado, imediatamente, declarou Nero fora da lei e votou a nomeação de Galba como novo imperador.

Nero ainda tentou reunir a sua guarda e os seus seguidores para organizar a resistência e preservar o trono, mas o comandante dos soldados encarregados da sua proteção havia retirado todos os seus subordinados da residência oficial do imperador por ordem do Senado, permanecendo no local apenas os escravos domésticos.

-Boa, reagiu Carlos. E então?

-Vendo-se perdido e sozinho, Nero invocou Hades como última esperança para preservar o seu poder. Então deus e adorador ficaram frente à frente, travando o seguinte diálogo:

-Ajude-me, poderoso Hades, sempre fui seu fiel discípulo!

-Sinto muito, meu seguidor, mas o seu tempo nessa era chegou ao fim.

-Como assim, divindade?

-Não há mais nada a fazer quanto ao seu título de imperador de Roma, mas se seguir a minha orientação, você terá ainda mais duas oportunidades para no futuro incorporar o poder e espalhar o caos e o sofrimento pelo mundo.

-Então que seja…e o que devo fazer?

-Por Deus, então o louco ainda poderia continuar a aprontar, espantou-se Carlos.

-Pois é, hermano, o mal não morre nunca. Hades ordenou que o imperador se suicidasse através de um ritual que lhe garantiria retornar à vida pelo menos ainda mais duas vezes. E foi o que Nero fez, terminando o ato com um gládio enterrado no coração.

Com uma expressão de terror no rosto, Carlos perguntou:

-E a promessa de Hades…tornou-se realidade?

……………

A terceira e última parte será publicada na quinta-feira, 22

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