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ALCIBÍADES, O POP STAR DE ATENAS

Alcibíades, estadista, político, orador e general nascido em Atenas em 450 a.C., foi uma das figuras mais resplandecentes e controversas da Antiguidade. Verdade que ele não foi badalado pelos historiadores e cineastas modernos como outros ícones da época, tais como, Aquiles, Alexandre Magno, Leônidas, Aníbal Barca ou Júlio César, mas recortes da sua espetacular história de vida foram fartamente registrados por historiadores clássicos e renomados filósofos (Plutarco, Tucídides, Platão, Aristófanes e outros).

Seus biógrafos concordam que ele ostentava uma figura belíssima, carismática e sedutora. Dono de um charme pessoal quase irresistível, acrescia a isso inteligência política, oratória brilhante, habilidade militar estratégica e coragem de soldado de primeira linha de combate.

Eu diria mesmo que ele foi um singular e efervescente combo que misturava, entre outras personalidades contemporâneas famosas, Indiana Jones, Capitão América, Brad Pitt, Ernesto Guevara, Batman, Obama, Vladimir Putin, Neymar Júnior e Cristiano Ronaldo. Parece exagero da minha parte, mas desafio o leitor a ler essa história e julgar por si mesmo.

Como mera ilustração do carisma magnético do nosso herói-anti-herói, cito um poema escrito na época. Assim o renomado escritor Eurípedes, admirador confesso do jovem Alcibíades, homenageou o seu ídolo:

“Eu quero, para exaltar teu nome,
Cantar teus louvores em verso,
Filho de Clínias. A vitória
É coisa bela e cheia de glória;
Entre todas porém, a tua é tão grande
Que nenhum grego a conseguiu tão bela:
Porque teus carros magníficos,
Ganharam nos jogos Olímpicos
O primeiro, segundo e terceiro prêmios
Da corrida. E sem esforço
A tua cabeça, ornada de glória,
Foi por duas vezes, coroada
De oliveira, sendo tu, alto e bom som,
Proclamado pela voz do arauto,
Vencedor de todos os concorrentes
Que se haviam apresentado”

Não obstante, paralelamente a essa bateria de excepcionais qualidades – com ou sem razão – os seus críticos mais ácidos acrescem à ficha de Alcibíades a narrativa de uma personalidade ambivalente e um caráter dúbio, capaz de atos da mais pura nobreza intercalados com ações das mais deploráveis. De toda sorte, Alcibíades teve um papel histórico importantíssimo na tentativa de alterar o destino histórico dos antigos gregos, nossos reconhecidos e sempre cultuados mestres civilizatórios.

Amigo e aluno de ninguém mais, ninguém menos do que Sócrates, o pai de todos os filósofos ocidentais, o trágico pop star de Atenas fez e aconteceu, costurou e bordou, caiu e sempre levantou como um típico capricorniano. A sua morte, não por coincidência, marcou também o fim da independência política de Atenas, a grande mãe da Democracia e matriz de todos os grandes talentos artísticos, literários e filosóficos ocidentais.

Alcibíades atingiu a idade adulta em um contexto político de rivalidade aguçada entre as duas mais poderosas cidades da Grécia antiga: Atenas e Esparta. As duas potências helênicas, após terem liderado todas as centenas de cidades gregas na luta para expulsar os poderosos persas das suas terras, entraram em conflito e começaram a disputar a liderança do mundo helênico na chamada Guerra do Peloponeso (431 – 404 a. C.).

Historiadores narram que Alcibíades e Sócrates lutaram lado a lado em algumas batalhas dessa guerra e que, em diferentes episódios,, um salvou a vida do outro.

Já uma admirada e prestigiada liderança do partido popular, Alcibíades era defensor da guerra sem tréguas contra Esparta, adotando a visão de que Atenas deveria abarcar a completa hegemonia do mundo grego e, assim, perpetuar o seu modelo político democrático de gestão em contraposição ao modelo autocrático espartano, um destino manifesto dos atenienses segundo a sua crença.

Em determinada fase do conflito, usando toda a sua habilidade de oratória e influência política, ele conseguiu convencer o parlamento ateniense – dominado pelos seus adversários – a enviar uma poderosa expedição naval para a conquista da Sicília, território na época governado por aliados do rei de Esparta.

Como seria de se esperar, o próprio Alcibíades foi designado para comandar a histórica expedição e, assim, comprovar mais uma vez o seu singular e reconhecido talento militar estratégico que tantas vitórias já havia dado a Atenas.

Tudo muito bom, tudo muito bem, todavia, o “centrão” da época avaliou que a coisa estava por demais favorável ao líder popular e manobrou para colocar água no seu chope.

Antes da partida da frota, o general-orador foi formalmente acusado de ter profanado estátuas sagradas dos deuses durante a sua juventude.

— Fala sério, diriam todos, não é mesmo? Mas foi exatamente desse jeito.

Mesmo com essa casca de banana jogada no seu caminho, Alcibíades decidiu prosseguir com a “Missão Sicília”, pois sabia que não haveria outra chance para uma conquista estratégica tão fundamental para a grandeza da sua cidade. Uma vitória nessa empreitada e Esparta seria obrigada a pedir paz, obrigando-se a aceitar as condições dos atenienses ad aeternum.

Depois de travar e vencer muitas batalhas contra os espartanos e seus aliados sicilianos e, exatamente quando estava se preparando para o assalto final, o general, via “Sedex”, recebeu a notícia de que havia sido destituído do comando da expedição e condenado ao exílio pela maioria do parlamento ateniense. Simples assim!

O que vocês fariam no lugar do general traído pela própria pátria através de uma resolução da maioria do seu conselho legislativo? Eu até tenho sérias dúvidas, mas Alcibíades não teve: em vez de retornar a Atenas para o cumprimento da ignominiosa sentença, o general pediu uma audiência ao comandante espartano e expôs a situação sem mais delongas.

Disse ao espartano que, a partir daquele momento, colocava-se à disposição do rei de Esparta para ajudar a derrotar todos os inimigos dos espartanos – naturalmente aí incluídos os seus algozes atenienses – oferta que foi calorosamente aceita pelo coirmão/grego.

Então, logo a situação da batalha da Sicília alterou-se radicalmente, o jogo virou. Esparta, de quase derrotada, sagrou-se a grande vitoriosa do episódio bélico. O Conselho de Atenas teve que pedir paz e pagar pesada indenização à cidade rival, recusando-se, todavia, a entregar o governo da cidade derrotada para os aliados de Alcibíades.

Desde então, o ateniense mais talentoso da sua época passou a ser o braço direito do rei de Esparta. Juntos, expandiram as conquistas dos lacedemônios pelo mar Mediterrâneo e impuseram pesadas derrotas aos persas que ainda circulavam pela região.

Alcibíades adaptou-se maravilhosamente aos costumes naturalistas, militarizados e rústicos da cidade do glorioso rei Leônidas. Logo, ele conquistou a estima da cidade e virou ídolo da juventude local, despertando nas jovens donzelas, doces suspiros e, nos mancebos, grande admiração apaixonada.

Entretanto, esse encantamento logo cobrou a sua fatura pelas mãos da jovem e bela esposa do rei espartano. Ela não resistiu aos encantos do pop star ateniense e invadiu os seus aposentos durante a madrugada, iniciando um affair proibidíssimo. Por que o nosso general não resistiu ao doce e insidioso assédio da rainha espartana? Bem, ele se esforçava, mas era um ateniense, jamais poderia ser um espartano-raiz.

Não demorou para o caso chegar aos ouvidos do rei traído e, claro, novamente a maionese azedar para o nosso herói. Avisado por um fiel admirador que o rei havia ordenado a sua prisão, Alcibíades partiu na madrugada, após dar o último beijo na chorosa rainha apaixonada.

O general itinerante foi então procurar o comandante da frota persa no Mediterrâneo e propôs um acordo vantajoso para as duas partes: ele ajudaria o exército persa a derrotar os espartanos e conquistar importantes possessões para o rei da Pérsia. Em troca, os persas o ajudariam a recuperar os territórios atenienses cedidos à Esparta desde o episódio da Sicília, além das duas partes dividirem por igual o butim e o ouro porventura arrecadado.

Alcibíades enviou mensagem a seus amigos atenienses situando-os na nova configuração das alianças.

De acordo com os planos do hábil estrategista, não demorou para que o talento operacional do imbatível general produzisse magníficos resultados. Os espartanos foram derrotados em todas as frentes, e os persas, vitoriosos, cumpriram à risca o acordo com o novo aliado.

Vitorioso e coberto de louros, Alcibíades retornou a Atenas liderando a frota ateniense que se juntara à esquadra persa durante os combates contra os espartanos. Os seus adversários em Atenas foram afastados do governo, e uma entusiasmada multidão saudou o retorno do seu amado e regenerado ídolo à terra natal.

Nomeado administrador da cidade pelo conselho político, Alcibíades retomou as obras de infraestrutura, saneamento e habitação popular iniciadas pelo seu tio e pai adotivo, o célebre Péricles. Através do ouro arrecadado das colônias recém conquistadas à adversária Esparta, o novo estratego embelezou ainda mais a resplandecente Atenas, construindo também novas escolas que foram abertas inclusive aos estrangeiros que migravam às pencas para a admirada cidade luz da época.

Todavia, o centrão político da bela urbs continuava ativo. Contando com integrantes tão ou mais resilientes que baratas e ratazanas, a facção anti-Alcibíades aguardava nas sombras uma nova oportunidade para eclipsar o governo do líder popular e retomar as rédeas do poder.

E essa chance chegou quando os espartanos contra-atacaram e invadiram cidades aliadas de Atenas como retaliação às derrotas sofridas pelas mãos do novo governante ateniense.

Já cansado e desgastado por tantas batalhas travadas nos últimos anos, Alcibíades decidiu não vestir o uniforme de general e, dessa vez, enviou outro comandante para liderar a expedição que iria enfrentar os inimigos espartanos.

Infelizmente para Atenas e para o governante do partido popular, o general designado não estava à altura da missão e as batalhas foram um desastre para os atenienses.

Aproveitando-se da comoção causada pela estrondosa derrota militar, os adversários políticos do estratego em exercício aprovaram uma moção de destituição e prisão de Alcibíades por “gestão temerária” e “omissão no comando do exército ateniense”.

Recusando-se a aceitar a decisão do Conselho, o estratego preferiu novamente exilar-se – juntamente com sua companheira – dessa vez sob a proteção do rei da Pérsia.

Então, sem o seu mais brilhante general no comando, Atenas começou a sofrer novas e contundentes derrotas militares para a revigorada Esparta.

A situação agravou-se de tal forma que, em pouco tempo, Atenas estava cercada pelas forças espartanas e prestes a sucumbir.

Mas uma força anímica poderosa ainda animava os cidadãos atenienses sob a forma de súplica e grito de guerra: “enquanto Alcibíades viver, haverá esperança para Atenas”.

Apoiado pelos aliados persas, o ateniense mais talentoso e amado da época estava organizando uma expedição marítima para socorrer a pátria quando, a mando do rei de Esparta, foi assassinado por traidores persas.

Após sua casa ter sido incendiada, ele e a companheira saíram apressadamente, momento em que foram crivados por flechas certeiras.

Dizem alguns historiadores que Alcibíades, após ter sido atingido no peito pela primeira flecha disparada, ajoelhou-se, levantou os braços e exclamou:

— Deuses, eis-me aqui! Por vós vim e para vós retorno!

Após a morte de Alcibíades e a derrota militar definitiva para Esparta, Atenas nunca mais recuperou integralmente a sua independência política, sendo sucessivamente tutelada por espartanos, tebanos, macedônios, romanos…

Ab Urbe Condita Libri – “desde o início da cidade livre” – alguns vencem, outros perdem e mesmo que a maioria dos nossos congressistas de hoje não chegue aos pés dos valorosos atenienses, espartanos e persas, a peleia pelo poder aqui a na Grécia – assim como a História – nunca tem fim…e cabe aos historiadores trazer as personagens históricas, os fatos e os contextos à luz da melhor forma possível, sempre lembrando que a “neutralidade” é o maior dos mitos.

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