Notibras

Alice e as muitas fases de um relacionamento (incluindo inclusive aquela do ‘ódio’)

Alice era afeita a festejos, ainda mais porque roubava a atenção para si, que nem flor que atrai abelhas. A plateia se divertia com as tiradas da mulher, enquanto Ariosvaldo, o marido, esboçava leve sorriso nos lábios orgulhosos, apesar de já saber de cor e salteado praticamente todas as histórias contadas pela amada.

Pois era aniversário de Júlia, uma sobrinha do casal lá de Águas Claras. Recém-separada, a moça, logo após apagar as 23 velinhas, foi se sentar ao lado da tia. Seus olhos, tristonhos, pareciam carregar a culpa pelo desfecho do casamento.

Boba que não era, Alice logo percebeu a aflição nos olhos da parenta. Acolheu a sobrinha com um aconchegante abraço. As lágrimas escorreram pela face trigueira da jovem, que, não tardou começou a soluçar.

Júlia havia se casado aos 20, após um namoro de dois anos. Por conta de compromissos firmados em idade tão tenra, surgiram teses de doutorado de mesa de bar. Rosalva, a mãe, foi a primeira a falar.

— Minha filha, você se casou muito cedo. Aliás, você e o Mauro são tão jovens, que precisam viver a vida antes de inventar esse negócio de se comprometer com alguém.

Todos pareceram concordar com o pensamento de Rosalva. Quer dizer, quase todos, pois Alice torceu os lábios para a teoria da irmã.

— Bobagem.

— Bobagem?

— Isso mesmo, Rosalva. Bo-ba-gem!

— Hum! Então, o que é, sabichona?

— Rosalva, minha irmã querida, se você tivesse percebido o jeito de olhar entre a sua filha e o seu genro, iria saber.

— Não tô te entendendo, minha irmã tão amada.

Alice, então, tomou a mão da sobrinha e, em seguida, disse para os curiosos, que já rodeavam a mesa.

— Dois anos de namoro, três de casamento. Pois é isso.

— Isso o quê, Alice?

— Rosalva, os cinco anos é a fase do fim da paixão.

Júlia abraçou forte a tia, como se concordando com as suas palavras. Nisso, Ariovaldo, talvez com uma pulga atrás da orelha, cutucou a esposa, com quem já estava casado há quase três décadas.

— Alice, e a gente tá em qual fase?

— Ariosvaldo, meu amor, a gente já tá na fase do ódio.

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Eduardo Martínez é autor do livro 57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’

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