Notibras

Altaneira, a Lua desce e sussurra que vive para iluminar toda a cidade

Brasília não tem os coqueirais do Nordeste, onde a Lua Cheia nasce altaneira, espalhando prata na pele quente da noite. Aqui, no coração do Planalto, são as palmeiras imperiais que se erguem, finas e orgulhosas, coroando o céu com folhas que dançam de leve no vento. É nelas que a filha mais nova do Astro Rei se esconde. Parece ter algo de timidez, mas não tanto. Um véu verde cobre-lhe o rosto, deixando entrever só o bastante para fazer arder a curiosidade dos simples mortais.

A cidade dorme cedo, mas a Lua não conhece relógio. Ela caminha lentamente sobre a Esplanada, vestindo de branco as curvas de Niemeyer, e mergulhando de mansinho no espelho do Lago Paranoá. As águas, encantadas, devolvem-lhe o reflexo com um tremor de emoção. E quando um barco corta seu lume, é como se mil pedaços de luz saíssem dançando num passo miúdo, desaparecendo no escuro.

E quem já sentiu o cheiro de maresia, quem já viu sanfoneiro dedilhar a saudade na beira da praia, sabe que o luar nordestino é primo-irmão deste aqui. Mudam as palmeiras, muda o vento, muda o sotaque da noite. Mas o feitiço é o mesmo.

Não resisto à sua presença, lá no alto, e suspiro.

— Lua bonita… Se não fosses comprometida com o céu, eu subiria numa escada de nuvens pra te alcançar. Misturava teu frio com meu calor. Fazia promessa a Nosso Senhor, pedindo para morar contigo nesse clarão que acende o mundo.

Mas dói, minha Lua – enfatizei nesse diálogo imaginário -, ver São Jorge no seu jumento, pisando firme sobre o teu peito como quem guarda a chave de um cofre que não abre. Por que escolheste um senhor tão sisudo, que come, dorme e faz de tudo sem jamais entender a música que vive em ti?

— E quem disse que estou presa? — soprou a Lua, com a voz macia do vento que atravessa as asas da noite.

— Mas… e São Jorge? — perguntei, quase em segredo.

— Ele é só meu guardião. Eu brilho por conta própria… e é por ti que às vezes me abaixo, só pra ficar ao alcance dos teus olhos.

— Então me queres? — arrisquei, com um sorriso que só ela podia ver.

— Talvez… — respondeu, brincando de se esconder atrás da copa das palmeiras. — Mas se eu descer demais, corro o risco de ficar. E aí, quem é que vai iluminar Brasília?

Ela se ergueu outra vez, num giro lento, deixando-me tremendo de saudade. E eu, com o coração cheio de música, percebi que nessa noite a Lua não estava apenas no céu. Estava inteira dentro de mim.

……………

José Seabra é diretor da Sucursal Regional Nordeste de Notibras, de passagem por Brasília

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