O episódio da Torre de Babel, narrado no livro de Gênesis (Gn 11:1-9), constitui um dos relatos mais simbólicos da tradição bíblica. Reza a lenda que, após o Dilúvio, a humanidade habitava uma mesma região onde falavam uma única língua. Em assembleia decidiram edificar uma torre cujo cume alcançasse os céus, tornando-os célebres e evitando sua dispersão pela Terra. No entanto, a construção foi interrompida por força da intervenção divina, que confundiu suas línguas, dispersando-os e frustrando o projeto megalomaníaco.
O texto bíblico revela a ambição e a soberba humanas, como motivação para alcançar o Divino por meio de uma obra monumental. Assim, a torre simboliza a tentativa do homem de substituir a centralidade de Deus pelo poder da própria humanidade, um ato de ganância espiritual e material. Essa atitude remete ao pecado original de Adão e Eva, onde a desobediência e o desejo de poder conduzem à queda, à ruína, ao colapso.
A torre foi erguida na planície de Sinar, região da Babilônia, simbolizando a ligação entre céu e terra, mas, na bíblia, o gesto assume caráter negativo, pois revela o orgulho humano em detrimento da submissão a Deus.
No campo teológico, a Torre de Babel torna-se um arquétipo da confusão espiritual e social. A multiplicidade das línguas representa a fragmentação da humanidade, contraposta à unidade inicial da criação. Agostinho, em A Cidade de Deus, interpreta Babel como símbolo da “cidade terrena”, em oposição à “cidade de Deus”, marcada pela humildade e pela obediência à vontade divina.
Quando trazemos essa reflexão para o mundo contemporâneo, a Torre de Babel encontra paralelo nos arranha-céus modernos. Desde o século XX, cidades como Nova York, Dubai, Hong Kong e São Paulo exibem edifícios monumentais que se erguem em direção ao céu como símbolos de poder econômico, tecnológico e cultural. Tais construções, embora notáveis do ponto de vista da engenharia, também carregam a marca da competitividade e da ganância humanas, ecoando a mesma busca por grandeza e imortalidade presente em Babel.
O Burj Khalifa, em Dubai, com 828 metros de altura, é hoje o edifício mais alto do mundo, tornando-se ícone dessa corrida vertical que ultrapassa fronteiras. Assim como em Babel, a lógica subjacente é a de afirmar a supremacia de uma nação ou grupo diante do mundo, erguendo construções que desafiam os limites humanos e naturais. Nesse sentido, a arquitetura moderna se torna não apenas expressão de progresso, mas também de orgulho coletivo.
Portanto, a Torre de Babel permanece como um símbolo atemporal. Do relato bíblico à modernidade, ela nos lembra da tênue linha entre o progresso humano e a ganância desmedida, entre a busca pela grandeza e a necessidade de humildade diante do transcendente.
O filme Inferno na Torre, além de se inscrever na tradição do cinema-catástrofe, pode ser lido como uma metáfora contemporânea sobre a soberba humana diante das forças da natureza e das próprias criações tecnológicas. A película profética, produzida em 1974 e dirigida por John Guillermin, apresenta como cenário um arranha-céu, símbolo máximo da modernidade, do progresso econômico e do poder arquitetônico. A megaestrutura de engenharia remete diretamente à imagem bíblica da Torre de Babel (Gn 11:1-9), erguida pelo desejo de alcançar o céu e desafiar os limites divinos.
Assim como em Babel, o prédio incendiado no filme representa a concentração da ambição humana em um único espaço. A corrida pelo luxo, pela ostentação e pela conquista de alturas recordes torna-se o pano de fundo para a tragédia. Quando as chamas se espalham, revelam-se não apenas as fragilidades estruturais, mas também as vulnerabilidades éticas e humanas: egoísmo, desespero, segredos ocultos e conflitos de interesse. Mas também abre espaço para gestos de empatia e fraternidade.
Do ponto de vista simbólico, o incêndio funciona como um ato de purificação, uma espécie de juízo que expõe a vulnerabilidade do homem moderno diante da própria soberba. A destruição da torre não é apenas arquitetônica, mas também moral: o colapso material reflete o colapso de valores.
Em termos sociais, Inferno na Torre critica o modelo urbano das grandes metrópoles, onde arranha-céus se erguem como templos do capital, afastando-se das necessidades humanas básicas. Ao mesmo tempo, denuncia a confiança excessiva na tecnologia e nas promessas de segurança, que se revelam frágeis quando confrontadas com forças imprevisíveis.
Assim, o filme se conecta ao arquétipo da Torre de Babel: tanto na Bíblia quanto na tela, o homem tenta se elevar, mas é confrontado com sua própria limitação. A lição central não é a negação do progresso, mas a lembrança de que humildade, ética e coletividade são indispensáveis para que a grandeza humana não se transforme em ruína.
Na sua opinião o episódio das “Torres Gêmeas” serve para ilustrar o tema em pauta?
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Hussein Sabra el-Awar é Membro Conselheiro do Colégio dos Magos e Sacerdotisas – @colegiodosmagosesacerdotisas
