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Amor entre mito e um simples mortal acaba em tragédia grega

Estendida a fio comprido em minha cama, numa atitude de uma naturalidade que não se teria podido inventar, dava-me a impressão de uma longa haste em flor que houvessem colocado ali […], como se dormindo ela se tivesse convertido numa planta”. Marcel Proust, A prisioneira, livro 5 de Em busca do tempo perdido.

Listavam-na entre as dríades, ninfas associadas aos carvalhos, mas provavelmente não era; mais provável ser uma hamadríade, ninfa de outros tipos de árvores, ou talvez uma melíade, protetora das macieiras e de outras árvores frutíferas. Quem sabe, não passava de uma guardiã das plantas de longas hastes em flor, tantas e tão variadas que não havia denominações específicas para todas elas e nem para suas zeladoras.

Seja como for, Dri – assim a chamavam as outras ninfas – vivia feliz em seu bosque, namorando com os faunos nas clareiras da mata, nas noites de luar, ocasionalmente encarando, por puro fastio e uma pitada de perversão, um sátiro de pênis permanentemente ereto, mais selvagem e brutal que os faunos brincalhões. Uma vida de ninfa, que já se estendia por séculos, e a fazia ansiar por algo novo.

Foi essa busca por algo inusitado que a lançou nos braços de um mortal, um pastor da Hélade. E Dri se apaixonou.

O heleno a amava profundamente, ao passo que Dri amava o sentimento de ser amada e, vá lá, de estar amando. Em resumo, ele a amava, ela amava o amor, E então começaram os problemas.

– Dri, não é que eu seja ciumento – mentiu-lhe o pastor, que morria de ciúme dela. – Mas saber que você transa com faunos e sátiros me tira do sério!

– Mas querido, toda ninfa brinca com faunos e sátiros! – protestou a guardiã das plantinhas. – Até entendo que você não queira que eu faça com sátiros, nem gosto de brincar com aqueles grosseirões. Mas com faunos? Eles são tão bonzinhos, uns amores.

– Nem com faunos nem com sátiros, entendeu? Nunca mais, ouviu bem? Não quero que você me ponha chifres!

– Bobo! Os bodinhos, quer dizer, os faunos e sátiros é que têm chifres e riu, um som tão cristalino quanto as águas do riacho que atravessava o bosque.

O riso da amada fez o pastor explodir, cuspindo uma porrada de palavrões em grego (não os reproduzo aqui, não os conheço, palavrão em grego é grego pra mim). Assustada com a ira do amante, Dri prometeu comportar-se, não fazer mais com sátiros, faunos e outros humanos, só com ele, seu pastorzinho querido. Mas, vocês sabem, a carne dos mortais é fraca, e a das ninfas, mais débil ainda. Uns 15 dias depois, Dri viveu uma noite de amor tórrido com um fauno, um de seus preferidos. Não se sabe como, o episódio chegou aos ouvidos do pastor, que jurou vingança.

Na noite seguinte, armado com seu cajado, ele golpeou até derrubar galhos de carvalhos e de árvores frutíferas. Cada pancada era acompanhada pelo grito lancinante de uma dríade, hamadríade ou melíade, que tinha o braço quebrado. Ele sabia que seria castigado pelos deuses devido ao que estava fazendo, mas não deu a mínima. E mais, como não reconheceu, em todos aqueles gritos, a voz cristalina de Dri, concluiu que ela não era uma protetora de árvores.

“Talvez a traidora não passe de uma guardiã de plantinhas”, pensou com raiva. “Vou destruir todas que encontrar”.

Seu cajado passou a golpear perto do chão. Golpes sucessivos destruíram as plantas às quais Dri estava associada. Ela morreu quando foi abatida a última planta de longa haste em flor.

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