Faz só dois meses que voltei a morar em Brasília, mas confesso que o Rio Grande do Sul não sai dos meus pensamentos. Carrego o estado nos olhos, nos pulmões, na pele — como quem volta de uma longa viagem e continua sentindo o cheiro do lugar impregnado nas roupas.
Porto Alegre, minha querida e caótica capital, de quem sinto muita pena. Me entristece de verdade ver Porto Alegre tão suja, tão mal cuidada. A capital dos gaúchos merecia um pouco mais de carinho e cuidado.
Apesar de eu não tomar chimarrão, amo o cheiro do mate que a gente sente sempre que se aproxima de alguém com uma cuia na mão. E por falar em aromas, aprecio também o perfume apimentado do churrasco assando em alguma esquina, mesmo às dez da manhã. Porto Alegre me marcou com suas estações dramáticas: o verão úmido, que gruda na pele feito confissão mal resolvida, e o inverno que chega sem pedir licença, entrando pelas frestas das janelas e dos ossos.
Às vezes, sonho com as cidades que visitei. Gramado aparece nos meus sonhos como uma boneca de porcelana que me olha de cima: linda, perfeita, maquiada demais. Eu amo odiar Gramado — com suas ruas que exalam chocolate, fondue e marketing —, mas, ainda assim, volto, feito quem não resiste a uma paixão disfarçada de antipatia.
Já Bento Gonçalves me engana ao contrário. Eu odeio amar essa cidade. Porque é vinho bom, paisagem absurda, comida farta e gente que te recebe com uma fartura de sotaque e menos gentileza do que eu gostaria. É o tipo de lugar que te seduz quando você menos espera, te embriaga antes mesmo do primeiro gole.
Vacaria me pegou pelo frio — aquele frio que rasga o rosto, mas te faz sentir viva. Pelotas, com suas confeitarias históricas e suas ruas que cheiram a doce de figo e saudade, me fez querer escrever poemas inteiros. Bagé me levou por campos que pareciam não ter fim, e Livramento me deu a sensação de liberdade, de poder cruzar de um país para outro apenas mudando de calçada.
Marau me acolheu como quem recebe uma velha amiga. Rio Grande me encantou com seu vento cortante e sua resistência atlântica. Cruz Alta me fez lembrar da poesia de Érico Veríssimo, da amizade que fica mesmo nos lugares que a gente passa rápido.
O litoral gaúcho é sempre alvo de piadas locais, daquelas que o povo conta rindo e reclamando ao mesmo tempo. Mas eu o defendo com unhas, dentes e filtro solar. Porque só quem já caminhou em Capão ou viu o céu acinzentado de Torres entende o valor de um mar que parece estar ali não para agradar, mas para te ensinar a encarar a imensidão.
Sinto falta das cores de lá: o verde escuro dos campos, o amarelo das folhas dos plátanos no chão das praças, o azul das hortênsias. Sinto falta dos sons, dos cheiros, do jeito que o frio toca a pele e te obriga a se agasalhar não só com roupa, mas com vínculos e afeto.
O Rio Grande do Sul é um lugar que se infiltra na gente. E, mesmo estando em Brasília, com seu céu de ouro e suas cigarras em coro, há dias em que fecho os olhos e volto inteira pra lá.
