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Após os famosos lados A e B do cassete, nada mais lógico do que o surgimento do CD

Sou do tempo em que LP (long play) era somente um disco de vinil com 12 ou 14 músicas, sete de cada lado. Hoje, LP talvez seja a sigla de loucos pelo poder. Naquela época, os cristãos eram sérios, impolutos e incapazes de tirar alguma coisa dos outros. Pelo contrário, seguindo a máxima de que quem dá para os pobres empresta a Deus, davam o que tinham de mais puro e honrado sem preocupação alguma com os mexericos da vizinhança. Diante das beatas e das irmãs, diziam em voz alta: Dou o que é meu. Está na Bíblia (?) que quem dá o que é seu não é desprezo.

E assim a vida seguiu em frente. A modernidade veio para ficar e não há mais questionamentos acerca do passado daqueles que se atreveram a seguir seus próprios instintos. No século passado, o povo de maior poder aquisitivo viajava para o exterior, especialmente para os Estados Unidos, disposto a se fornir de bugigangas sem utilidade comprovada. Mais aculturados, os viventes do século 21, particularmente os brasileiros, vão à terra de Tio Sam em busca de coisas úteis, entre elas máquina de descascar alho, lustradores de chifres, próteses penianas e, quando acham, fiofós seminovos.

Por razões óbvias, me adaptei ao modernismo imposto pela tecnologia. Nada de extravagâncias físicas, emocionais e sexuais. Me mantenho litúrgico, monogâmico e, sobretudo, espada cortante de um único lado. Vale registrar que o corte duplo era uma atividade típica da turma enrustida que, mesmo com grossos bigodes e costeletas à la Elvis Presley, se dizia entendida. Não havia publicidade, porque tudo ocorria dentro das quatro linhas da alcova, isto é, sem alardes, críticas, homofobias, transfobias, comentários preconceituosos ou agressões físicas.

Reitero que dar o que é seu não passava de diletantismo. Não havia excepcionalidade ou primitivismo algum em degustar um garoto atrás da igreja matriz. É claro que inaceitável e politicamente incorreto seria pedir facilidades para sentir a crocância do produto degustado ao revendedor da Lacta. Meus amigos Breno e Bruno dividiam a mesma masmorra erótica e não havia discórdia quando um deles, para homenagear o outro, tatuava dois bês, um de cada lado da popa, formando um terceiro personagem.

Não sei se me entendem, mas BoB nunca foi motivo de discórdia entre os brothers do amor, tampouco para DRs violentas e normalmente com fins trágicos. Havia problemas mais importantes para preocupar o povo da época, cuja maioria morria de medo de criticar os pneuzinhos da esposa, pois sempre tinha um borracheiro na espreita. Coisas do meu tempo até hoje são usadas como novas. Por exemplo, poucos sabem que o gesto do dedo médio em riste surgiu durante a guerra de 116 anos (1337-1453) entre franceses e britânicos.

Antes da batalha de Crécy (cidade do norte da França), o rei francês Felipe VI da França ordenou a seus cavaleiros que cortassem o referido dedo da mão de todos os ingleses após a vitória, de modo que nunca mais pudessem usar o arco. Como a vitória não veio, os triunfantes ingleses mostravam aos derrotados franceses o dedo médio como símbolo da vitória. Portanto, nada a ver com o que pensamos. Melhor do que passar a limpo a história da suposta dedada, é lembrar que o tempo é uma sequência criativa. A prova disso são as fitas cassetes. Para quem não se lembra, elas tinham um lado A e um lado B. Por isso, nada mais lógico que seu sucessor fosse o CD. É apenas uma questão de lógica alfabética. Como veem, Notibras também é cultura.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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