Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1865 – Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1918) foi poeta, jornalista, cronista e contista — isto é, alguém que nunca deixou faltar trabalho nem adjetivo. Tornou-se o grande medalhão do parnasianismo no Brasil, escola literária em que a forma é rainha, a métrica é lei e a rima, se puder, deve marchar em passo de parada. Foi tão celebrado que muitos o trataram como “o” poeta brasileiro por excelência, recebendo o título oficioso de “príncipe dos poetas” — uma nobreza de papel, mas com bastante pompa.
Sua poesia se espraiou por quase tudo: escreveu para crianças, escreveu sobre desejos, escreveu sobre política, escreveu com ambição épica, escreveu confissões íntimas e também lançou olhos sociais, sempre com aquele zelo de quem passa o verso a ferro, alinhando sílabas como botões de farda. E já que a época gostava de virtudes públicas, Bilac fez da literatura também um palanque: difundiu valores cívicos, nacionalistas e republicanos, e soube ocupar, com habilidade, o lugar de poeta que não se contenta em ser lido — quer também ser ouvido.
Filho de Brás Martins dos Guimarães Bilac e de Delfina Belmira Gomes de Paula, teve infância e adolescência dentro do padrão: estudo, disciplina e a promessa de um futuro respeitável. Aos 15 anos, com a pressa típica dos prodígios (e a expectativa típica dos pais), conseguiu autorização especial para entrar na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro — mais por desejo paterno do que por vocação própria. O pai, médico ligado à campanha da Guerra do Paraguai, sonhava provavelmente com o jaleco; Bilac, por sua vez, já parecia preferir o papel impresso. Resultado: frequentou a Medicina, mas foi fisgado pela redação e pelo burburinho intelectual. A prática médica ficou para depois — e o “depois” não veio. Mais tarde, ainda ensaiou o Direito em São Paulo; também não concluiu. Digamos que Bilac era muito bom em começar destinos “sérios” e excelente em abandoná-los no meio do caminho, rumo ao único vício socialmente aceito: a literatura.
No Rio de Janeiro, firmou-se como figura típica do meio letrado: jornalista ativo, poeta em ascensão, frequentador de boêmias e de círculos literários — daqueles em que todos sabem de tudo e discutem tudo, especialmente o que não dá dinheiro. Sua projeção e suas amizades com intelectuais e políticos abriram portas para um cargo público: inspetor escolar. E como educação, naquele tempo, tinha aura de missão civilizatória (e prestígio de salão), a função vinha com certo brilho. Bilac, afinal, não era homem de se esconder: sua vida cotidiana também rendia história. Em 1897, perdeu o controle de um automóvel Serpollet e o atirou contra uma árvore na Estrada da Tijuca — episódio lembrado como o primeiro acidente de carro registrado no Brasil. O país mal tinha carros; Bilac já inaugurava o acidente. Pioneirismo é isso: chegar primeiro até nos tropeços.
A estreia poética nos jornais cariocas veio em 1884, com o soneto “Sesta de Nero”, publicado na Gazeta de Notícias, recebendo elogios de Artur Azevedo — uma espécie de “selo de qualidade” do circuito. Também escreveu livros didáticos, ora sozinho, ora em parceria com amigos como Coelho Neto e Manuel Bonfim, porque, quando a literatura chama, a conta também vem.
Em 1888, lançou Poesias, livro que caiu no gosto do público e ajudou a carimbar sua consagração. A partir daí, Bilac não era apenas um poeta: era um patrimônio em construção.
Mas nem só de sonetos vive um homem em tempos agitados. Em 1891, com a dissolução do parlamento e a consolidação de Floriano Peixoto no poder, a política esquentou — e Bilac decidiu não ficar calado. Participou da fundação de O Combate, jornal de oposição ao florianismo e crítico do estado de sítio decretado naquele contexto. A consequência veio do jeito clássico: cadeia. Bilac foi preso e passou cerca de quatro meses na Fortaleza da Laje, aprendendo, na prática, que a República também sabia rimar “oposição” com “repressão”.
Conta-nos Órris Soares, tio do Jô Soares e grande amigo de Augusto dos Anjos – coube ao jornalista Órris salvar o “EU” do ostracismo – que, por volta de 1906, subiu num navio com destino a Buenos Aires, em escala no Recife, para entrevistar a divina Sarah Bernhardt. Sem acesso à atriz, tentou ver um cavalo, também transportado naquele navio, campeão de corridas, que valia 800 contos de réis. Como havia muita gente em volta, desistiu. Mas soube que Bilac estava entre os passageiros. Então, foi à procura do poeta, a quem entrevistava quando chegou Da Costa e Silva e entregou um exemplar de seu livro “Sangue” para o príncipe dos poetas, dizendo umas poucas palavras. Foi o autor virar as costas e Bilac lançou o livro ao mar, justificando-se:
— Poetas e bananas, no Brasil, só servem para espalhar doença.
Continua Órris: em 1917, plena guerra, encontro Bilac numa casa de refrescos na Avenida Rio Branco, no Rio. Junto estava Paulo da Silveira. Começamos a conversar sobre os últimos acontecimentos, quando ele nos interpela sobre a guerra:
— Não me falem de guerras se acaso forem partidários da Alemanha. Eu detesto a Alemanha, detesto Goethe, detesto Wagner e detesto chucrute.
Na vida amorosa, a rima foi menos perfeita. O grande amor teria sido Amélia de Oliveira, irmã do poeta Alberto de Oliveira. Noivaram, mas o compromisso se desfez por resistência familiar — suspeitava-se que o poeta era “arruinado”, como se poesia fosse investimento de alto retorno. Um segundo noivado, com Maria Selika, filha do violonista Francisco Pereira da Costa, também durou pouco. Bilac seguiu sozinho, sem constituir família, como quem se dedica integralmente ao ofício e às suas melancolias privadas. Morreu em 28 de dezembro de 1918, vítima de edema pulmonar e insuficiência cardíaca, e foi sepultado no Cemitério de São João Batista, no Rio de Janeiro.
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- Foto: Alberto de Oliveira, Raymundo Correa e Olavo Bilac, os maiores poetas brasileiros da primeira década do século XX.
- Cassiano Condé, 82, gaúcho, deixou de teclar reportagens nas redações por onde passou. Agora finca os pés nas areias da Praia do Cassino, em Rio Grande, onde extrai pérolas que se transformam em crônicas.
