Otávio, pensativo, observava a movimentação e ouvia o alegre burburinho a sua volta. Era uma grande reunião de domingo que englobava família, amigos e amigos de amigos à beira de um belo lago artificial, principal atração do mais popular clube campestre da cidade.
Presentes, dona Lídia, sua religiosa mãe, Mariana, sua noiva, Marina, sua cunhada, Cinira, melhor amiga das duas irmãs, Gildo, noivo de Cinira, Aurora, mãe de Mariana e Marina e outros agregados que tinham algum tipo de laço com essas figuras centrais.
O ambiente sob a sombra das árvores era descontraído e agradável, repleto de muitas gentilezas e empatias, todavia, alguns “fios desencapados” teimavam em provocar curtos circuitos fortemente sentidos por alguns dos presentes.
Enquanto Mariana colocava maionese no prato de Otávio, esse, inadvertidamente, fitou Cinira que estava ao lado da noiva a realizar o mesmo procedimento para servir o noivo, Gildo.
Mesmo a contragosto, Otávio não pode evitar um pensamento que lhe soou duplamente pecaminoso:
-Essa danada sabe mesmo ser provocante em qualquer coisa que faça!
Então sua mente navegou até o dia anterior na casa das irmãs, quando, durante o almoço, a noiva lhe fez um pedido cheio de consequências.
-Querido, você pode fazer um favor para a família?
-Diga lá!
-Você pode levar a Marina e a Cinira ao clube, hoje, ao final da tarde? Elas querem montar uma barraca e dormir por lá mesmo. Aí já vão ficar para o almoço da turma amanhã.
-Hum, foi a Marina quem pediu para você falar comigo sobre isso? Você sabe que ela implica comigo desde que você e eu nos conhecemos. E eu nem consigo atinar o porquê dessa antipatia toda.
-Ah, não é bem assim! Mas, então, essa é a chance de você mostrar para ela que você é um cara legal.
-Bem, para mim não custa nada. Então avisa as duas que passo aqui às cinco horas para levá-las.
A caminho do clube com as duas moças no carro, Otávio não conseguiu deixar de se sentir um sujeito de sorte por ter sido incumbido daquela empreitada.
-Sem dúvida, são duas mulheres muito atraentes, pensava ele com seus botões!
Heroicamente, ele tentava evitar tais pensamentos por respeito à noiva, mas a proximidade com as moças o perturbava demais.
-Certamente, cem por cento dos homens da cidade ficariam com muita inveja de mim, suspirou, enquanto conversava sobre amenidades com as duas belas.
Chegando à beira do lago, espaço destinado à montagem das barracas, ele ajudou as moças a retirar os seus apetrechos e bagagens do carro. Findo o desembarque, disse:
-Bem, meninas, vocês já estão entregues. Acho que a minha missão acabou. Então, de súbito, Cinira pegou uma das suas mãos e, afavelmente, falou:
-Ah, não! Nesse calor de quarenta graus, você merece tomar um banho no lago com a gente. Depois tomamos umas latinhas de cerveja, elas estão esperando geladinhas no isopor.
Para a surpresa de Otávio, Marina reforçou o pedido da amiga:
-Isso mesmo! Nosso benfeitor merece esse prêmio!
Então, Cinira despiu-se do vestido, revelando o seu corpo escultural adornado apenas por um minúsculo biquíni de duas peças.
Constrangido, embasbacado e boquiaberto, Otávio balbuciou:
-Eu…eu até gostaria, mas não trouxe roupa de banho.
-Não seja por isso, eu te empresto um dos calções de banho que trouxe para o meu noivo usar amanhã. Por sorte, vocês têm praticamente o mesmo corpo, disse Cinira, animada.
-É isso aí, sem desculpas para fugir da nossa companhia, seu Otávio, replicou Marina. Docemente compungido, Otávio cedeu ao agradabilíssimo pedido das lindas amigas.
Após a montagem da barraca, os três foram banhar-se no lago.
-Gente, vou dar uma volta no clube e já volto, disse Marina. A sós, Cinira e Otávio começaram a conversar.
-Por que o seu noivo não veio hoje?
-Ah, ele trabalha muito. Mora em uma fazenda distante trinta quilômetros da cidade.
-Entendi! Saiba que ele é um cara de muita sorte por ter uma noiva como você.
-Obrigada, gato! Sabe, vocês dois são muito parecidos, com a diferença que você é mais charmoso, culto e inteligente, disse Cinira, ao mesmo tempo em que colava o seu corpo no de Otávio.
Nesse momento, Otávio pareceu ser atingido por um raio e, arrepiado, sentiu uma corrente elétrica percorrer todo o seu ser.
Já com os lábios colados aos de Otávio, Cinira murmurou com uma voz angelical:
-Vamos para a barraca?
Não controlando mais a própria vontade e mandando as consequências para o inferno, Otávio só teve forças para emitir um trêmulo “vamos”.
Uma hora depois, Marina voltou à barraca e, brincando, reclamou:
-Eita, nem esperaram por mim para abrir as cervejinhas!
-Não sabíamos quanto tempo você ainda ia demorar, amiga, desculpou-se Cinira.
-Encontrei uns amigos do outro lado do lago e me distraí.
-Meninas, obrigado por tudo! Agora tenho mesmo que voltar. Combinei jantar com Mariana, falou Otávio, depois de limpar a garganta.
-Nós é que agradecemos a gentil carona, disse Marina.
-E também a agradável companhia, complementou, Cinira, não escondendo um sorriso malicioso.
Voltando ao presente, Otávio questionava-se sobre os desdobramentos daquela história. Sentia-se culpado, muito culpado, mas, ao mesmo tempo, não podia negar que queria muito encontrar-se com Cinira novamente.
Os dois não tiveram muito tempo para conversar sobre o ocorrido, pois Marina voltou à barraca antes que qualquer papo mais profundo pudesse ser iniciado.
-O que aquilo teria significado para Cinira, perguntava-se.
Mais do que isso, questiona-se qual o significado do affair para ele próprio.
Apenas atração física entre ambos? Uma paixão para ser vivida na sua totalidade? Um momento de prazer irresistível sem maiores consequências?
Por mais atraente que Cinira pudesse ser como mulher, a sua pouca disposição para resistir ao assédio da amiga da noiva só confirmou o que ele já sabia: nunca houvera paixão entre ele e Mariana.
Mas então por que estavam noivos? Carência? Comodismo? Amizade? Companheirismo? Talvez um pouco de cada coisa.
E admiração intelectual, algo sempre tão importante para ele em um namoro? Aquilo, ele tinha mesmo era por Marina, a irmã mais velha da noiva que parecia detestá-lo, admitiu a contragosto.
Em meio a esses questionamentos amorosos-existenciais, Otávio deu-se conta de algo que agora achava muito estranho: por que Marina, a irmã da noiva que ele admirava em todos os sentidos e que sempre o tratara mal, pareceu intencionalmente favorecer o ocorrido?
Seria para que Mariana descobrisse a traição e rompesse o noivado? Mas então por que ainda não falara nada com ela sobre a situação? Bem, talvez ainda fizesse isso…só teria certeza no dia seguinte.
Otávio, Marina e Cinira trocaram olhares interrogativos e enigmáticos entre si durante todo o convescote, até que, terminado o evento ao fim da tarde e feitas as despedidas formais entre todos, Otávio conduziu dona Lídia, dona Aurora, Mariana e Marina para as suas respectivas residências, enquanto Cinira foi embora na companhia do noivo, Gildo.
Durante o percurso, rolou uma animada conversa entre Mariana, dona Aurora e dona Lídia, enquanto Otávio e Marina preferiram permanecer em silêncio quase todo o tempo.
Já no dia seguinte, Otávio enviou uma mensagem para Cinira e marcaram um encontro à noite.
-Cinira, quero entender o que houve! O que significou para você?
-Otávio, meu querido, foi tudo muito bom, não foi? Mas isso não quer dizer que vou romper o meu noivado, se é isso que você quer saber. E acho que você também não deveria fazer isso, pelo menos, não por minha causa.
-Então, para você, foi apenas uma aventura, algo de momento, passageiro?
-Claro, é assim que eu vejo a vida. Gosto de ter prazer e aproveitar as oportunidades para isso, mas também sou pragmática. O Gildo é o meu porto seguro em muitos sentidos e quero que isso permaneça do jeito que está.
-Entendo e respeito o seu ponto de vista. Eu não sou nenhum moralista radical, mas confesso que, para mim, isso é mais complicado.
-Meu querido, espere mais uns dias e talvez as respostas que você deseja apareçam, disse Cinira, parecendo fazer uma previsão baseada em algo que só ela sabia.
-Quem sabe? Bem, obrigado por tudo e suerte para você! Continuamos amigos então?
-Claro que sim! Boa sorte para você também!
No dia seguinte, as últimas palavras de Cinira voltaram à mente de Otávio com muita força.
-Ela tinha razão! A primeira resposta que eu precisava já está muito clara, disse ele para si mesmo com inédita convicção.
Após convidar a noiva Mariana para jantar, Otávio foi direto ao ponto:
-Mariana, não preciso falar do carinho e do respeito que sempre tive por ti, mas a verdade é que não somos as pessoas certas para ficar ao lado um do outro pelo restante das nossas vidas. Então, melhor assumirmos isso logo, mesmo que agora pareça muito amargo.
Mariana pareceu uma flor que, repentinamente, murchou e perdeu o brilho. Entretanto, apesar do desconforto e da decepção com as palavras de Otávio, ela sabia do que ele estava falando.
A dura verdade é que sempre faltaram paixão e sintonia fina entre eles, apesar dos seus esforços para suprir essa lacuna do relacionamento.
Passados dois dias, Otávio teve uma das maiores surpresas da sua vida ao receber
um telefonema de Marina, a charmosa e enigmática irmã da ex-noiva, convidando-o, em um tom incrivelmente cordial, para um happy hour.
-Meu querido, Otávio, nós precisamos conversar!
-Claro, Marina! Sempre é um prazer conversar com você!
-Hoje depois do trabalho, então?
-Marcado, para você sempre estou livre! Busco você em casa ou nos encontramos no local?
-Melhor no local.
-Claro, entendido!
Depois dessa conversa, o tempo parecia não passar para Otávio.
Aflito e ansioso, ele levantava mil hipóteses para Marina querer conversar com ele, mas nenhuma parecia verossímil. Talvez ela só queira me passar uma descompostura por ter feito a irmã sofrer… e ainda me jogar na cara a traição com Cinira, ruminava.
Chegou no barzinho meia hora antes do horário marcado para não arriscar se atrasar. Assim que viu Marina entrar, seu coração disparou. Agora que não estava mais noivo de Mariana, sentia-se à vontade para apreciar integralmente o porte e a magnífica beleza da ex-cunhada.
Levantando-se imediatamente, cumprimentou Marina com dois beijos no rosto e, a seguir, puxou a cadeira para a moça sentar.
-Sempre cavalheiro! Uma das coisas que sempre admirei em você.
-Obrigado, Marina! Eu, da minha parte, ficaria a noite toda listando as coisas que admiro em você.
-Não exagere, meu querido! Talvez depois do que vou lhe falar, esses itens diminuam significativamente.
-Olha Marina, se você deseja me repreender por eu ter terminado o noivado com a sua irmã, dê-me pelo menos o direito de defesa.
-Não é nada disso, meu caro ex-cunhado, falou Marina com um sorriso mais enigmático do que nunca.
-Puxa, que bom! Então talvez seja para me explicar porque você nunca foi com a minha cara, apesar de eu sempre ter te tratado com todo o carinho do mundo, disse Otávio em um rasgo de coragem.
-Bem, podemos começar por isso, respondeu Marina, impávida.
-Eu sempre me perguntei porque isso da sua parte, então pode ser bem sincera.
-Serei sim! Demorei para me convencer do que vou te falar, mas sou ré confessa: a verdade é que eu queria estar no lugar da minha irmã e, inconscientemente, culpava você por tê-la conhecido antes de ter cruzado comigo.
Otávio arregalou os olhos e respirou fundo, achando que estava em um sonho.
-Você está brincando, não é mesmo?
-Não, não estou! Diga, sinceramente, o que você acha disso, Otávio?
-Marina, não sei o que dizer…quer dizer, eu adorei ouvir isso!
-Hum, que bom! Então começamos bem! Agora vamos ver o que achas da segunda parte da minha revelação.
-Segunda parte?
-Inicialmente, você acreditou mesmo que eu não saiba o que houve entre você e Cinira?
– Olha, Marina, longe de mim querer me isentar de culpa, mas…
-Não precisa se justificar, querido! Eu fui a autora intelectual desse evento, desde a sugestão para você nos levar no clube no sábado.
-O quê? Como assim?
-Combinei tudo com Cinira! Ela gostou muito da ideia e topou me ajudar na hora.
-Então vocês estavam em conluio o tempo todo, incrível! Mas…mas por que tudo isso?
-Acho que você sabe…tanto sabe que decidiu terminar com Mariana.
-Hum, você quer dizer que Mariana e eu éramos as pessoas erradas um para o outro e você quis antecipar o inevitável?
-Até que você não foi lento agora, mas seria muito vagaroso para se convencer do óbvio em relação a minha irmã, isso por medo de fazer ela sofrer. E, a depender dela, vocês viveriam no erro a vida inteira.
-Pelos deuses…entendo! Mas não posso deixar de dizer que você é bem maquiavélica, moça!
-Sou uma enxadrista que sabe agir com intuição e paixão quando necessário. Você pode me julgar se quiser, mas sempre foi a mim que você amou! Estou errada, Otávio?
Otávio sentiu-se levitar no paraíso e, sem pestanejar, respondeu à atrevida inquirição da ex-cunhada:
-Não, não está, Marina! Você está corretíssima!
Instintivamente, ambos aproximaram os rostos um do outro e, então, um longo beijo acabou com todas as dúvidas que qualquer um dos dois ainda pudesse ter.
Depois de muitos carinhos e palavras apaixonadas serem trocados pelo novo casal, Otávio questionou Marina:
-Olha, eu entendo que você queria que acontecesse entre nós dois somente depois de não haver mais nada entre Mariana e eu, mas você não teve receio de que Cinira e eu pudéssemos nos apaixonar?
-Sempre havia esse risco, mas eu conheço bem Cinira e, quanto a você, eu confiei no meu taco, simples assim!
-Sim, agora parece tudo muito simples, pensou Otávio, formulando a seguir uma frase filosófica:
-Moça, acho que tivemos mais sorte do que juízo, mas brasas podem facilmente virar fogueira se adequadamente sopradas!
Os dois apaixonados, de novo, sorveram o néctar dos deuses ao se beijarem demoradamente, afogando assim todas as culpas daquele enlevo.
Fim
