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Brasil do agronazifascismo tem raízes na velha Alemanha

Brasnorte, MT, Brasil: Árvore em meio a plantação de soja. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha nazista existia uma grande corporação chamada IG Farben (a quarta maior do mundo na época), desmembrada nas atuais Agfa, BASF, Hoeschst e Bayer, sendo as três últimas lideranças na produção de agrotóxicos. O título do artigo pode parecer um exagero no primeiro momento, mas não é. Explico. Primeiro é importante lembrarmos que os produtos químicos, em especial os inseticidas organoclorados e organofosforados, assim como herbicidas com base em hormônios sintéticos tiveram sua origem na década de 1920, durante a Primeira Guerra Mundial, quando alemães usaram gás clorídrico contra seus inimigos.

Mais tarde, seriam eles os precedentes das câmaras de gás dos campos de extermínio nazistas, que contou com os químicos Fritz Haber e Ferdinand Flury, membros da Sociedade Alemã para Controle de Pragas, no desenvolvimento de um pesticida à base de cianureto, posteriormente transformado e patenteado por Walter Heerdt no composto Zyklon-B, usado nos extermínios de Auschwitz-Birkenau e Majdanek.2 Os organofosforados atuam diretamente no sistema nervoso central e, nas chamadas pragas, são os produtos conhecidos como Bladan e Parathion. Já para o uso como armamento químico, foram desenvolvidos o Tabun e o Sarin, com a tutela do nazista Gerhard Schrader.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, na Alemanha nazista existia uma grande corporação chamada IG Farben (a quarta maior do mundo na época), desmembrada nas atuais Agfa, BASF, Hoeschst e Bayer, sendo as três últimas lideranças na produção de agrotóxicos, termo cunhado pelo professor brasileiro Adilson Dias Paschoal em 1976.

No âmbito mundial, surge o período da chamada “Revolução Verde”, com a bandeira de produzir mais alimento para o mundo, enquanto na verdade, era a solução para converter o complexo industrial bélico e suas tecnologias para a agricultura. Sendo assim, as ditaduras impostas pelos Estados Unidos, incluindo a do Brasil na década de 1960, servem como aliadas ao império estadunidense que passa a exportar o “modelo moderno” da agricultura do latifúndio/monocultura, através de projetos financiados pela Fundação Rockefeller, Fundação Ford e pelo próprio governo central via United States Agency for International Development (Usaid).

Tecnologias essas que vão além: maximizar a produção em menor tempo, usar poucos genótipos e a artificialização dos ambientes produtores. No caso da produção animal, tudo isso também favorece o surgimento e rápida proliferação de doenças, como no caso da gripe H1N1 e, mais recentemente, da Covid-19, causando o abate em massa por meio de asfixia de milhares de aves, tal como nazistas fizeram com aqueles que perseguiam.

No Brasil, em 1970, surge o Programa Nacional de Defensivos Agrícolas..4 No entanto, somente no final da década de 1990 e início dos anos 2000 é que se dá o boom dos agrotóxicos, com o avanço e a legalização da soja transgênica, o que fez com que aumentassem as áreas de plantio e, consequentemente, o uso de agrotóxicos. Curiosamente, nesse mesmo período os bancos passam a ser proprietários dessas terras.

Surgem assim os “argumentos” contra a “ameaça comunista” que, como sempre, desinforma com mentiras e planta o medo na população mais ignorante e acrítica. Vale lembrar aqui que na década de 1960 o medo era esse mesmo: “derrubar Jango antes da reforma agrária”.7,8 Tudo isso porque o grande capital teme a perda de parte de seu lucro – veja bem: parte do lucro, pois continuariam a lucrar.

As cinco gigantes (Syngenta, Basf, Bayer/Monsanto, Corteva e FMC) seguem com esse modelo de destruição e morte, utilizando do capital para camuflarem o que são e o que fazem. Por sinal, essas cinco grandes transnacionais dos agroquímicos são responsáveis por mais de 70% de todo mercado mundial.

Outro aspecto interessante é que são empresas financiadoras dos golpes – militares e parlamentares – pois a elas sempre interessou uma fragilidade tanto nas políticas ambientais como trabalhistas, afinal, mais do que fornecer matéria-prima barata, querem continuar lucrando com moléculas já proibidas na Europa, usando os países do sul para isso.

O Sistema Único de Saúde (SUS) também é alvo desses interesses, principalmente pela estruturação da Vigilância em Saúde Ambiental (VSA), responsável pela vigilância epidemiológica das doenças e agravos à saúde humana associados a contaminantes ambientais, especialmente os relacionados à exposição a fatores de risco, como amianto, mercúrio, benzeno, chumbo e agrotóxicos.

É também no agronegócio que a escravidão permanece viva em senzalas contemporâneas, explorando a mão de obra de forma desumana e até mesmo pulverizando seus venenos em populações e comunidades rurais, quilombolas e indígenas como objetivo de extermínio e expulsão das terras.

Esse é o breve histórico do agronegócio e suas raízes nazifascistas. Um sistema que visa o lucro via commodities e concentração de terras, mesmo que para isso gere fome e mate as pessoas e o meio ambiente.

Lucram com o rentismo e com a necropolítica baseada no veneno. Para que se tenha uma ideia, 79% dos agrotóxicos utilizados em território brasileiro estão concentrados em quatro culturas (52% na soja, 10% no milho, 10% na cana-de-açúcar e 7% no algodão) que não são utilizadas como comida. A soja e o milho são produzidos quase que em sua totalidade para alimentação animal aqui ou no exterior (no caso, 93% da soja e 80% do milho).

E a expansão dessas culturas de commodities segue crescendo, enquanto as áreas de feijão, arroz e mandioca caem a cada ano, desde 2016, gerando ainda mais insegurança alimentar à população brasileira.

É fundamental que lembremos algo que nos omitem: não há limite seguro para o consumo de agrotóxicos. A dose de venenos que usam, apesar de pequena em relação à nossa massa corpórea, pode não nos matar de imediato, mas gradativamente nos intoxica e adoece. Isso é ainda mais gritante quando se sabe que mais de 70% do alimento que consumimos está contaminado com algum tipo desses pesticidas, sendo 28% contendo substâncias não autorizadas pela Anvisa (ou seja, sem sabermos os reais efeitos em nosso organismo e saúde). Sendo o Brasil o país que lidera o ranking de consumo de agrotóxicos, temos uma média de 7 litros de venenos consumidos anualmente por cada cidadão.

Em recente estudo que testou a presença de 27 pesticidas na água dos brasileiros, 21 destes estão proibidos na União Europeia por justamente oferecerem riscos à saúde e ao meio ambiente.21 Somente entre janeiro de 2019 a junho de 2022, dos 1801 agrotóxicos liberados, 818 (ou seja, 50,8%) continham pelo menos um ingrediente ativo banido na União Europeia. (Em tempo: por que não se fala em epidemia, e até mesmo pandemia dos casos de câncer, muitos deles associados justamente com esses agrotóxicos? Lideram as mortalidades por neoplasias os estados do Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina).

Além do dano químico, as águas das bacias hidrográficas também são gastas para irrigação desses latifúndios e abastecimento animal de forma desproporcional. Dados do Banco Mundial27 e de Rodrigues & Cruvinel mostram que a agricultura utiliza em média cerca de 70% das águas retiradas, sendo esse valor de 82% nos países em desenvolvimento. Em tempos de crise hídrica, ocasionado também pelas mudanças climáticas cuja parcela de culpa é grandiosamente atribuída ao desmatamento e devastação do agro, esses dados são igualmente preocupantes. Vale lembrar que no tratamento de esgoto e da água se retiram contaminantes biológicos, mas não se eliminam produtos químicos provenientes desses venenos.

São informações que não chegam facilmente para a população. E, ao mesmo tempo que tentamos dialogar com a sociedade, cercam de forma proposital aqueles que tentam tornar públicas essas questões. E nós, educadores, estamos na linha de frente. Tentaram – e seguem tentando – nos intimidar com o abusivo projeto da “Escola Sem Partido”, acusando-nos de doutrinadores ao criticar o fatídico (des)governo Bolsonaro. Usando de argumentos ridículos – e inconstitucionais – afrontam a liberdade de cátedra e com isso, querem impedir a formação de cidadãos e cidadãs críticas e questionadores, essenciais para a construção democrática.

Assim, rotularmos a atual situação como extrema-direita, fascista e nazista, cuja gênese se deu em junho de 2013, não é nenhum exagero de nossa parte. É uma realidade que assombra não apenas o Brasil, mas o mundo como um todo.

Discursos de ódio, escancaradamente com raízes eugênicas estão aí, simbolizadas pelos “patriotários”. Não podemos ignorar. A própria prevaricação na compra das vacinas, inclusive não incentivando a vacinação das pessoas e o uso de medicamentos ineficazes e defendendo a tal imunidade de rebanho, visa exatamente isso: os mais fracos morrem.

A eleição democrática de Lula foi uma importante e significativa vitória para o início da desnazificação e desfascistização do país. Mas não basta. Temos que nos mobilizar, mostrar nossa união, tal como foi criada a Frente Ampla para a vitória eleitoral. Somente com mobilizações populares, educação política e ocupação das ruas e espaços públicos é que conseguiremos restituir políticas de interesses populares.

Herdaremos uma terra arrasada, com o povo ainda passando fome. E talvez isso seja um ponto favorável para que a reestruturação tão necessária seja adotada. Começaremos do zero, mas com a vantagem de saber qual caminho tomar – ou ainda, qual não tomar! A transição para a agroecologia pode ser feita a partir de agora.

E é isso que incomoda ao agronegócio golpista e antidemocrático. Para ele, um país subserviente é o que interessa, pois com um país pobre, com moeda desvalorizada e em constante turbilhão político, mais lucram. Lembremos daquele 7 de setembro que mobilizou caravanas enormes para atos em São Paulo e Brasília, financiadas pelo agronegócio. Afinal, para eles, quanto maior a crise, melhor: dólar valorizado e exportações crescendo para seu lucro.

Nas atuais manifestações, novamente o agronegócio mostra suas garras. Churrascos, banheiros químicos e todo suporte que aqueles que se submetem às sandices. E como mostram as investigações da polícias Militar, Civil e Federal e do Ministério Público, são atos liderados e/ou financiados por fazendeiros, empresários do agronegócio, donos de estandes de tiro e políticos, juntamente com policiais e ex-policiais, servidores públicos e sindicalistas.

Resumindo, não estão comprometidos com o povo. Não é nada pop, nem tech, muito menos tudo. O agro é golpe!
Assim, por mais genocida e desumano que tenha sido o (des)governo Bolsonaro, o buraco é mais embaixo. O inimigo é o atual sistema que pouco participa na produção de alimento. Bolsonaro foi a expressão, a personificação de parte desse todo que estava adormecido no limbo da sociedade. Enfraquecer o sistema que abastece essa trupe é o caminho, pois mais do que enfraquecê-los, promoverá o verdadeiro equilíbrio social.

A solução para isso é a agroecologia, como defende a própria ONU em sua Agenda 2030 com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Terras distribuídas conforme defende nossa Constituição, gerando comida de verdade, distribuição de renda, diminuindo a desigualdade social, preservação do ambiente. Para isso, contamos com a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), que servirá como importante aliado nessa luta.

Auxiliando ainda esse processo, a industrialização de produtos biológicos, dos quais o Brasil detém a tecnologia de fabricação de 94,8% dos que são utilizados no país, promoverá um valor agregado no mercado, podendo ser uma liderança mundial nessa área, contribuindo também economicamente para o processo de industrialização, rompendo as amarras no neocolonialismo e exportação de bens primários.

E contrariando e desmentindo o que diz o lobby do agronegócio, a produção agroecológica e seus ganhos são iguais ou superiores às verificadas no agronegócio. Mas justamente por ser distribuída, não desejam isso. Assim sendo, cabe ao Estado ser o indutor dessa transformação, financiando a agricultura familiar e a agroecologia, o que contribuirá para sua autossuficiência com retorno financeiro, girando a economia sem que a concentração de renda esteja nas mãos do agronegócio.

Chegou a hora da história ser recontada não mais pela visão daqueles que sempre são os vitoriosos (detentores do capital), mas para essa maioria menosprezada que, na resistência planta sua luta. Foi isso que as urnas manifestaram e esperamos do presidente Lula. Chegou o momento de colhermos os frutos e reescrevermos a história com honestidade e de forma participativa. É o momento da agroecologia e do fortalecimento das bases sociais, as verdadeiras engrenagens do Brasil e da democracia.

*Professor, biólogo, doutor em Etologia, mestre em Ciências e especialista em Bioecologia e Conservação

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