Ser brasileiro é uma dessas experiências que só se entende vivendo. E mesmo assim, nem sempre se entende. Porque o Brasil não cabe em explicação nenhuma. É uma contradição com sotaque. Uma esperança que insiste. Uma lágrima que samba.
Ser brasileiro não é só gostar de Carnaval, São João e novela, embora sejamos, sim, especialistas em transformar suor em ritmo, saudade em roteiro, e milho cozido em celebração. Também não é só futebol, porque o futebol, hoje, parece mais europeu que nordestino, mais planilha que pelada. Mas já foi. E quando foi, fomos todos Garrincha mancando com leveza e driblando a desgraça.
O que nos faz brasileiros, mesmo, é essa vocação absurda para a reinvenção. É a arte de rir com os dentes quebrados, de fazer piada com o que devia nos calar. É a mulher periférica que cria quatro filhos e ainda planta esperança na calçada. É o velho aposentado que sustenta três gerações com R$ 1.500,00 e não desiste de votar. É o jovem preto que ocupa a universidade com a dignidade de quem nunca teve acesso ao luxo de errar.
Antropologicamente, somos um povo que sincretiza. Juntamos o candomblé com o catolicismo, o forró com o trap, o sertão com a selva. A cultura brasileira é uma gambiarra estética, uma constelação mestiça que jamais se dobra ao tédio. Darcy Ribeiro dizia que o Brasil é o único país que ainda está por ser inventado. Mas o povo, esse já se inventa todo dia.
E é aí que mora nossa grandeza: na potência do improviso, na genialidade do improvisador.
Claro que há dores. Há balas perdidas que sempre acham os mesmos corpos. Há escolas caindo, filas no hospital, juízes que só julgam quem já nasceu culpado. Somos uma democracia suspensa por fios tênues, sempre à beira do colapso. Mas, como escreveu Conceição Evaristo, “eles combinaram de nos matar, mas a gente combinou de não morrer”.
Ser brasileiro é ser resistente por ofício. É saber que a carne é cara, mas o churrasco de domingo é sagrado. É rir da política como quem não perdeu o senso, mas sabe que já perdeu quase tudo. É chorar com novela das seis e ainda assim ter fôlego para discutir Paulo Freire na mesa do bar.
É ter Machado de Assis como maior escritor da língua portuguesa e mesmo assim não ser ensinado nas escolas como devia. É ter Clarice, Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus e ver a elite fingir que não é com ela. Mas é também ver que essas palavras resistem. Circulam. Tocam. Renascem.
Ser brasileiro é, no fim, ser filho de uma terra que sangra, mas floresce. Que nunca fugiu da luta. Que dança na beira do abismo e ainda tem fé. Que sabe que a justiça pode ser cega, mas a esperança tem olhos bem abertos.
E é por isso que, mesmo com tudo, ser brasileiro ainda é bom. Porque aqui, entre o caos e o encanto, ainda mora um povo que sonha alto mesmo quando tudo empurra pra baixo. E que insiste, insiste, insiste.
Como disse Elza Soares: o Brasil é o país do futuro. E esse futuro sou eu. É você. Somos nós.
