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Chico, publicitário ruim, conseguiu consagrar o Prego Souza

Chico e eu nos formamos na mesma faculdade e no mesmo ano da década de 90. Ele em Publicidade e Propaganda, eu em Economia, meu primeiro curso superior cujos conhecimentos nunca exercitei.

Éramos amigos transversos, unidos pela amizade em comum com o João – aluno do Direito – e não chegamos a ter laços muito estreitos.

Entretanto, a personalidade sui generis e a mente futurista (?) do Chico eram atrativos irresistíveis para quem convivesse com ele no mesmo círculo.

Ele se declarava fã número um do cineasta Ed Wood, considerado por muitos críticos o “pior cineasta” de todos os tempos e do planeta inteiro que, entretanto, foi incensado como um artista cult por uma legião de fãs após a sua morte.

Exatamente como seu mestre, Chico exercia sua atividade de uma forma autodidata muito particular e, apesar das críticas ao seu estilo “fora da casinha”, não se deixava abalar pelos frequentes insucessos e se mantinha sempre excêntrico, peculiar e criativo na labuta publicitária.

Não abria mão, em nenhuma hipótese ou situação, de implementar seu estilo e deixar sua marca em todos os trabalhos que fazia.

Um dia, por indicação do João a um cliente dele, Chico assumiu a missão de alavancar uma marca de prego no mercado.

E eu nem sabia que poderia haver competição entre marcas de pregos; para mim, prego era prego e pronto.

Entusiasmado com a ótima oportunidade, Chico decidiu apostar na dobradinha “tradição e religião” para impactar a marca junto aos consumidores. Confiante na sua “sacada”, ele bolou e dirigiu – a baixo custo – um comercial de trinta segundos previsto para aparecer por duas semanas na TV.

A cena mostrava Jesus Cristo na cruz ao lado dos dois ladrões e, em volta, soldados romanos armados e uniformizados a caráter. Após vinte segundos com a câmera ilustrando diferentes ângulos e perspectivas da situação, um locutor falava com voz grave e pausada: “Prego Souza, dois mil anos de tradição!”.

Mesmo que vacilante e preocupado com a repercussão de uma temática tão sensível, Souza, o contratante, decidiu aprovar o comercial na íntegra e a peça foi ao ar em horário nobre.

Dois dias depois, Chico atendeu ao telefonema de um aflito Souza:

-Chico, por favor, você tem que modificar o comercial!

-Por quê? O que houve? As vendas não estão boas? perguntou Chico.

-Estão ótimas, mas eu estou sendo massacrado por todas as congregações cristãs do Brasil.

-Ora, faça ouvidos moucos, disse Chico.

-Não posso, até a minha mulher está buzinando no meu ouvido vinte e quatro horas por dia: “Isso é um desrespeito, um sacrilégio!”.

-Então você quer que eu mude tudo no comercial, que retire Cristo de cena?

-Não é bem assim…temos que manter o bom fluxo das vendas e essa associação com Jesus Cristo é boa!

-Então não entendi, questionou Chico.

-Dê um jeito de retirar Cristo da cruz… de forma que o prego seja um aliado dele e não um algoz, entende? Tem que ser para amanhã e não podemos gastar muito, acrescentou o cliente.

-Certo, entendi, disse Chico, sem ter a menor ideia sobre o que faria para adequar a demanda do comercial ao gosto do seu angustiado cliente.

-E essa agora, essa gente nunca se dá por satisfeita…nem Cristo conseguiria agradá-los, praguejou o publicitário.

Mas Chico também nunca se dava por vencido em situações difíceis e não seria dessa vez que a sua mente não improvisaria uma solução criativa e de baixo custo, algo que pudesse dar conta do problema e satisfazer o cliente na corda bamba.

-O que faria o Ed…perguntava Chico para si mesmo, enquanto, em sequência, emborcava cinco xícaras de café entre um cigarro e outro.

Antes de levar a xícara à boca mais uma vez, o genial publicitário finalmente teve a epifania que procurava.

-Claro! Por que não pensei nisso antes…vibrou o discípulo de Ed Wood que, a partir de então, ficou conhecido como “Chico martelada”.

No dia seguinte, perplexos, os telespectadores assistiram à nova cena do comercial que exaltava a qualidade do produto pontiagudo.

Cristo e os dois ladrões desciam rapidamente da cruz e se punham a correr, imediatamente perseguidos pelos soldados romanos que não conseguiam alcançá-los. Nos últimos dez segundos da cena, o locutor falava com voz novamente pausada e, agora, lastimosa:

-Se o prego fosse Souza, essa cena despropositada não teria acontecido!

Não se sabe se o fabricante Souza continuou a ser admoestado e espinafrado pela sua esposa ou pelos religiosos, mas o fato é que as vendas do produto aumentaram ainda mais.

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