Notibras

China tenta acalmar Camboja e Tailândia e evitar guerra em seu quintal

A China, cada vez mais assertiva no tabuleiro geopolítico da Ásia, se vê agora em posição delicada: evitar que uma crise militar entre Camboja e Tailândia evolua para um conflito aberto bem no coração do Sudeste Asiático — uma região que Pequim considera essencial à sua esfera de influência.

Nos últimos dias, diplomatas chineses têm se desdobrado em reuniões bilaterais com Bangkok e Phnom Penh, depois que trocas de acusações sobre incursões territoriais e movimentações militares elevaram a tensão ao longo da fronteira comum. A preocupação chinesa não é apenas retórica: uma guerra entre seus aliados históricos comprometeria os investimentos da Nova Rota da Seda, desestabilizaria o entorno da península da Indochina e poderia abrir brechas para a atuação de potências ocidentais no entorno estratégico do Mar do Sul da China.

Embora mantenha publicamente um discurso de neutralidade e apelo ao diálogo, Pequim tem exercido forte pressão nos bastidores. Fontes diplomáticas indicam que enviados especiais chineses teriam advertido Camboja sobre os riscos econômicos de qualquer escalada e, ao mesmo tempo, oferecido apoio técnico e logístico à Tailândia para o reforço da vigilância de fronteiras — numa tentativa clara de demonstrar influência sobre ambos os lados e evitar a perda de controle.

“A China quer ser vista como fiadora da paz regional, mas não pode permitir que seus parceiros se tornem fontes de instabilidade”, avalia o analista internacional Cheng Rui, do Instituto de Estudos Asiáticos de Xangai. “Ao mesmo tempo, ela teme que um conflito dê pretexto para a presença mais incisiva dos Estados Unidos no entorno do Mekong.”

O cenário atual remete, para muitos analistas, ao embate de 2008 entre os dois países em torno do templo de Preah Vihear, quando confrontos armados deixaram mortos e feridos dos dois lados. A diferença, agora, é o novo peso geopolítico da China na região e o fato de que tanto Tailândia quanto Camboja estão mais entrelaçados aos interesses estratégicos de Pequim do que estavam há uma década e meia.

Camboja é um dos principais aliados da China na região, frequentemente criticado por países ocidentais por sua proximidade com o Partido Comunista Chinês. Já a Tailândia, embora tradicionalmente aliada dos Estados Unidos, tem aprofundado seus laços com a China nos últimos anos, especialmente em áreas de infraestrutura, defesa e tecnologia.

Pequim aposta agora em missões especiais de mediação e em iniciativas multilaterais para desarmar a crise. Há expectativa de uma reunião emergencial da ASEAN, bloco do qual os dois países são membros, com mediação indireta chinesa. Nos corredores diplomáticos, especula-se até mesmo que Xi Jinping esteja disposto a convocar uma cúpula trilateral para selar um acordo de não-agressão e definir protocolos de segurança fronteiriça.

Em paralelo, o governo chinês monitora com atenção a movimentação de tropas tailandesas próximas à fronteira de Oddar Meanchey, província cambojana que voltou a ser foco de disputa. A menor faísca, admitem especialistas, pode virar incêndio num momento de extrema fragilidade regional, marcado por disputas no Mar do Sul da China, tensões entre Taiwan e Estados Unidos, e instabilidades internas em Mianmar.

O esforço chinês para conter uma guerra em seu “quintal estratégico” não é apenas altruísta: é pragmático. Evitar uma escalada militar entre Tailândia e Camboja significa manter estáveis os fluxos comerciais, preservar sua imagem como potência pacificadora e impedir que rivais ampliem sua influência na Ásia continental. Se conseguirá evitar o conflito, ainda é incerto. Mas o fato de que Pequim assumiu o papel de bombeiro revela o novo grau de responsabilidade — e risco — que acompanha sua projeção global.

Sair da versão mobile