Notibras

Chuva de recordações…

O barulho da chuva, caindo pelo telhado, é um dos mais belos sons que gostamos de ouvir. Nos dá aquela sonolência gostosa, uma vontade incrível de nos recostar no sofá… na verdade, nos deitar na cama… cerrar os olhos e simplesmente viajar com a melodia dos pingos que caem do céu…

Quantas boas lembranças essa canção divina nos traz… momentos de ternura, de um tempo já passado, que sabemos que não mais retornará… mas que gostaríamos tanto de reviver, não é mesmo?…

Quando ouço os pingos de chuva cair, a primeira coisa que me lembro é do canto dos pássaros na floresta que circundava o local em que moro até hoje… a gente via – e ouvia – uma profusão de canções onde a melhor diversão era identificar quais eram as espécies que estavam próximas de nós… bem-te-vis, pica-paus, rolinhas, andorinhas, tico-ticos, pardais… e uma infinidade de espé-cies que não me lembro o nome, habitava as redondezas. Claro que nem todas elas cantavam na chuva, mas a maioria, sim… e aquela sinfonia regida pelos anjos nos faziam sonhar de olhos acordados…

Quando a água desabava do céu a gente brincava dentro de casa… o barulho da chuva no telhado deixava tudo muito mais bonito… embora um pouco frio… sim, a chuva refrescava ainda mais o ambiente que já era fresco por natureza, devido a vegetação existente no local. Não muito longe havia a represa, e sabíamos de antemão que, depois da chuva, seria um lugar maravilhoso para brincar… chafurdar os pés nas poças formadas pelas águas que, pouco a pouco, seriam absorvidas pela terra…

A casa onde morávamos tinha, no início, piso de terra batida. Não era cimentado, nem tinha nada que isolasse o chão da natureza. Então, quando a chuva caia, o cheiro da terra molhada se espalha-va por toda a casa. Era um perfume gostoso… claro, o frio aumentava nessas ocasiões, mas…

Nosso quintal era uma floresta onde minha mãe tinha todo tipo de flores plantadas… rosas das mais diversas espécies, margaridas, dálias de cores variadas (aliás, faz muito tempo que não vejo uma dália… seu perfume era simplesmente inebriante…) palmas… na verdade, a muito não vejo as flores de minha infância…

Era uma época em que as casas não tinham muros, a divisa entre os quintais não existia, o sentimento de posse não era tão forte quanto nos dias de hoje… as pessoas se sentiam mais irmanadas, mesmo que não houvesse nenhum laço de sangue entre elas…

Claro que não posso afirmar que isso era regra na Sociedade… essa era a minha realidade. A minha rua tinha, mais ou menos, umas quinze casas, onde todos se conheciam. Nenhum muro isolava a propriedade de ninguém. As crianças podiam ir de uma casa a outra sem sair na rua. Não que fizesse diferença, uma vez que as ruas não tinham trânsito de veículos, exceto um ou outro carro-ceiro que passava de vez em quando para vender seus produtos…

Era como uma grande família, onde as crianças e adultos se reuniam como irmãos… as mulheres iam juntas buscar lenha para alimentar o fogo onde iriam cozinhar… sim, era a época do fogão a lenha… e o fogão ficava, normalmente, em uma casinha de sapé onde as mulheres armazenavam a lenha e faziam a comida para a família. Elas também se reuniam e costumavam ir pegar peixe com uma peneira em um dos vários lagos que existiam na região…

Os homens, depois de um dia de trabalho nas fábricas, após seu expediente costumavam se reunir para tomar cachaça e cantar músicas de sua região natal. Havia sempre um casal de viola e violão e, entre um gole e outro, toadas, rancheiras e outros ritmos eram executados com alguma mestria pelos mesmos… nessa época a energia elétrica ainda não havia chegado em nossa região…

Importante citar que os homens iam trabalhar geralmente a pé… as fábricas ficavam, em média, uns dez quilômetros de distância do local onde morávamos. No início não havia nenhuma linha de ônibus ligando nossa região com o centro do bairro… aqueles que tinha um pouco mais de posse, compravam uma bicicleta. Com o tempo, é claro que todos a adquiriam. Era o único meio de transporte à mão…

Quando o ônibus chegou, junto com a eletricidade, que revolução… já não era necessário se des-locar a pé pela região… se tivesse o dinheiro para a passagem, é claro. E, quanto à eletricidade, bem… além dos violeiros para animar as noites e finais de semana, agora era possível ouvir du-plas consagradas e aprender novas canções. E as mulheres podiam seguir as novelas radiofônicas, sonhando com as desventuras românticas das heroínas das histórias. Como estávamos ainda na época da vida do campo, onde gados cortavam as estradas rumo ao seu destino, o tema recorrente era essa lida do homem e da natureza. Algumas vezes intervenções sobrenaturais, como o lobisomem e outros, faziam parte do enredo, uma vez que a crença comum é que estes monstros peram-bulavam pela noite, principalmente nas sextas-feiras de lua cheia…

As crianças? Viviam cercadas pela magia do mundo, onde ouviam as histórias contadas por seus pais… a televisão ainda não havia chegado até nós… e toda beleza dos contos de fadas, transmitidos oralmente, fazia com que os pequenos se sentissem no mundo das maravilhas… e replicavam esse mundo mágico em seus folguedos…

Entre as várias brincadeiras onde se replicava o mundo dos contos de fadas, uma delas era a roda, onde meninos e meninas brincavam juntos, cantando as canções que iam construindo o enredo das histórias… nosso primeiro contato com a Bela Adormecida aconteceu dessa maneira, por exemplo.

Não vou dizer que o passado era melhor que o presente… afinal, nossas lembranças estão protegidas pela aura da recordação…onde tudo o que passou fica muito mais lindo que a realidade que vivemos, ontem e hoje… e que viveremos no futuro… mas são essas doces recordações, despertadas pela chuva que cai do firmamento, que nos fazem ter fé no futuro… pois se vivemos bons momentos no passado, com certeza teremos outros bons momentos durante nossa caminhada por esse plano…

A Luz daqueles que velaram por nós quando ainda petizes continua a nos indicar o caminho. É nossa a vez de preparar e iluminar a estrada da geração que está chegando, para que no futuro se lembrem de nossa passagem com o mesmo carinho que lembramos daqueles que nos antecederam. E isso nós conseguiremos dando aos pequenos todo Amor que precisam e merecem. Que sejamos o Farol que ilumina seus passos, como nossos pais iluminaram nosso caminho. E um dia todos nos reuniremos no Nirvana, onde a Luz Eterna iluminará a todos nós…

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