Notibras

Clarice e o jogo de paciência

Concentrada diante das cartas dispostas sobre a mesa, Clarice estava determinada a não perder a paciência. Um movimento errado e tudo poderia ir por água abaixo. Dois, dois, três, três, quatro, quatro… Tudo ia se sobrepondo aos ases. Por que aquele maldito nove tinha que ficar trancafiado entre o Rei e o Valete? Droga!

Embaralha, embaralha, embaralha. Nova disposição de cartas. Dessa vez, o jogo parecia favorável à mulher. Passa, passa, passa, nada se encaixa. Que inferno!

Determinada a vencer, Clarice embaralhou, embaralhou e, para dar sorte, fatiou o baralho de trás pra frente, como se aquilo fosse fazê-la fechar o jogo. Não tinha erro, daquela vez as cartas se renderiam a ela.

Logo após o baralho ser distribuído sobre a mesa, Clarice começou a virar o bolo de cartas que segurava com a firmeza e determinação de uma espadachim.

O início foi complicado, deixou para trás dois ases. Entretanto, com o desenrolar do jogo, as cartas foram se encaixando, abriu novas casas, o sorriso no rosto de Clarice já antecipava a vitória, que vislumbrava no horizonte. Mas eis que uma onda de gritaria e latidos interrompeu a próxima jogada. Ela olhou para o lado e foi atacada por abraços dos três netos e lambidas do Barão, o enorme vira-lata da família,

Clarice, assim que os calorosos afagos foram dissipados, se lembrou das cartas. Voltou os olhos para a mesa e constatou que o baralho estava espalhado. A mulher não acreditava naquilo e teve ímpeto de dar aquela bronca na trupe.

Olhos furiosos, lábios trêmulos, que, gradativamente, se transformaram em gargalhada. Paciência. Clarice, finalmente, havia vencido.

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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

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