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Colado como selo na testa, racismo deve ser lavado com jato de aguarrás

Hoje quero falar sobre racismo. Apesar de me considerar uma pessoa antirracista — de ler, de ouvir, de tentar desconstruir, de defender pautas e pessoas — sei que o racismo não é algo que se arranca de dentro da gente como quem troca de roupa. Ele não sai no banho, nem com textão bonito no Instagram. O racismo é estrutural, mas também é íntimo. Ele se entranha. Se infiltra. Atravessa o tempo, o sangue, a linguagem e a cultura. E, mesmo quando a gente acha que não, ele ainda está lá.

O racismo às vezes escapa de mim em pensamentos que nem cheguei a convidar. Em imagens que se formam automaticamente na cabeça, antes mesmo que eu perceba. Como quando vejo um homem negro na rua e, sem querer, o imagino exercendo um trabalho subalterno. Nunca um médico. Nunca um juiz. Raramente um escritor. Como se o lugar social dele já viesse pré-definido pela minha própria criação. Como se minha mente ainda obedecesse a um script que eu não escrevi, mas que aprendi a decorar desde criança.

E dói reconhecer isso. Porque é feio. Porque eu não queria que fosse verdade. Mas é justamente por isso que precisa ser dito.

Ser antirracista, aprendi, não é um selo que a gente cola na testa. É uma prática constante. É estar atento ao que pensamos, ao que sentimos, ao que supomos sem questionar. É um esforço racional e afetivo. Um trabalho diário de vigilância interna. Porque o racismo não mora só na ofensa explícita, no xingamento, na violência televisada. Ele também mora no automático. No olhar enviesado. Na expectativa rebaixada.

Falar do racismo é talvez a forma mais honesta de tentar superá-lo. Porque fingir que ele não existe só serve para mantê-lo intacto.

E eu não quero isso.

Nem pra mim, nem pra ninguém.

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