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Como a alma mitológica da China sustenta seu grande e temido império moderno

A China é, antes de tudo, uma civilização que nunca dormiu. Mudou de rostos, de dinastias e de bandeiras, mas conservou uma essência imortal, moldada por deuses, dragões e ancestrais que ainda hoje parecem sussurrar sob o ruído das metrópoles de neon.

Enquanto o Ocidente ergueu catedrais e depois as abandonou, a China ergueu templos invisíveis — não de pedra, mas de disciplina, coletividade e destino.

No princípio, foi Pangu, o gigante que, com seu corpo, separou o céu da terra. De seu sopro nasceram os ventos; de seu olhar, o Sol e a Lua; e de suas lágrimas, os rios.

Depois veio Nüwa, que moldou os homens do barro e remendou o firmamento rachado por um cataclismo. E Fuxi, Shennong, Yu, o Grande — heróis civilizadores, símbolos de uma nação fundada sobre o trabalho e a ordem.

Em cada um deles, a semente do que mais tarde seria o “espírito chinês”: diligente, metódico, paciente.

O comunismo do século XX tentou abolir os deuses, mas apenas os substituiu. No lugar do Imperador de Jade, instalou-se o Partido; no altar dos templos, o retrato de líderes que passaram a representar não apenas o poder, mas a continuidade de uma missão cósmica.

A China moderna é, sob essa lente, uma nova encarnação do Tao: uma busca por equilíbrio entre forças opostas — tradição e tecnologia, centralismo e expansão, silêncio e glória.

Seria ingênuo pensar que um país de mais de quatro mil anos de história pudesse ser totalmente ateu.

Seus deuses apenas mudaram de vestes. Saíram das montanhas de nuvens e passaram a habitar circuitos, algoritmos, máquinas de precisão.

O dragão sagrado, símbolo do imperador, agora respira fogo pelas chaminés das fábricas e pelos cabos de fibra óptica que levam sua influência a todos os cantos do planeta.

Talvez o segredo da China esteja justamente nessa transmutação. A mitologia antiga não foi suprimida — foi sublimada em uma moral de Estado. O que antes era fé, hoje é método. O que era ritual, virou plano quinquenal.

Mas no coração dessa aparente racionalidade comunista ainda pulsa o mito ancestral de uma civilização guiada por algo maior do que a vontade individual: uma ordem universal, quase divina.

E, assim, os deuses da China milenar continuam vivos — não em templos dourados, mas nas mãos calosas que constroem arranha-céus, nos engenheiros que dominam o espaço, e nos jovens que estudam como se o futuro fosse um mandamento.

O comunismo os declarou extintos. A história os transformou em metáfora.

Mas quem olha com atenção verá que, nas entrelinhas de um país que tudo fabrica e tudo controla, ainda há um leve perfume de incenso e eternidade.

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