Conto inspirado no tango El choclo
Final de Copa América em Buenos Aires. Defrontavam-se brasileiros e argentinos, as duas melhores escolas de futebol do continente. Faltavam 10 minutos para o final, o jogo estava 1 x 1, o empate daria o título aos argentinos, mas os brasileiros dominavam, até o incha mais fanático reconhecia que o gol do adversário era uma questão de tempo.
Foi então que o capitão dos hermanos decretou:
– Vamos de palavrões de El choclo! Ou isso, ou perdemos.
Os outros dez jogadores concordaram em silêncio. Era covardia, os brasileiros não mereciam isso, mas a vitória era mais importante que o fair play.
No ataque seguinte, um brazuca gambeteó dois defensores. Quando se preparava para driblar o terceiro e ficar cara a cara com o gol, o zagueiro provocou:
– Canyengue!!!
Canyengue? O brasileiro tremeu nas bases. Não fazia ideia de que aquele som ultrajante significava apenas molejo, requebrado. Furioso, respondeu:
– Canyengue é a mãe! (Mentira, ele xingou a progenitora do gringo, mas pretendo manter este texto num bom nível, de palavrões, bastam os do tango.)
Só que, ao pensar numa contraofensa à altura, o canarinho perdeu o pique da bola e foi desarmado.
Cinco minutos depois, dois brasileiros avançaram contra um único zagueiro, o gol parecia inevitável. Desesperado, o defensor olhou bem nos olhos do que estava com a bola e mandou bala:
– Carancanfunfa!!!
Ah não, carancanfunfa era demais. O atacante não sabia o que era, mas pelo som… Nem xingou, deu uma porrada no argentino, que caiu – não à toa, os hermanos são os reis da catimba – como se tivesse sido atropelado por uma jamanta. O brasileño foi expulso, o gol de desempate não saiu, os argentinos foram campeões.
Enquanto uns festejavam e outros se lastimavam, o capitão do escrete canarinho procurou o capitão argentino, eram chegados, haviam jogado juntos num time da Europa.
– Mermão, parabéns pelo título. Mas me diz, o significa canyengue? E… – baixou a voz, havia crianças no estádio – … e carancanfunfa?
O argentino sorriu, olhou-o com um desdém tipicamente porteño e fuzilou:
– Por vos susheta, cana, reo y mishiadura! – e se afastou. – Mas então teve pena do pobre derrotado e explicou:
– Canyengue é requebrado, carancanfunfa significa exímio tanguero ou tanguera. E, do verso de El choclo que falei agora, susheta é almofadinha e/ou cara desleal, e mishiadura, indivíduo na miséria. Os outros dois termos vocês usam em português, cana pra um sujeito na prisão, e reo é réu mesmo, pessoa sendo julgada por um delito.
O brasileiro começou a chorar.
