“Você viu o Cabeção por aí?
Eu não! Eu não! Eu não!
Eu não vi, não!”
(Golden Boys)
– Têm notícias de Tanguerrante?
A pergunta foi dirigida a uma roda de rapazes porteños. As respostas não demoraram.
– Deve estar errando por aí. Ou acertando… – brincou um deles, que adorava jogos de palavras.
– Não brinca, que a coisa é séria. Ele sumiu.
– Que Tango errante? – indagou um deles, o mais novo, recém-incorporado ao grupo.
Os demais olharam-no com uma ponta de desprezo. Tão novinho, tão bobinho, nem conhece Tanguerrante! E logo as explicações se multiplicaram, caóticas e selvagens.
– É um cara perigoso, que entra nas festas pisando firme – a própria morte vestida de milonguero – alguém resumiu.
– Um portador de má sorte…
– Velório e cocaína… – acrescentou um terceiro, em tom lúgubre.
– Mas também uma pessoa doce – contrapôs um outro. – Uma flor do campo, que perfuma o coração.
– Soube que foi para Corrientes atrás de uma mina, uma tal de Carmencita…
– É, mas isso foi há 15 dias, já devia ter voltado.
– Acho que viajou pros Estados Unidos – informou alguém. – Ele me disse que ia fazer tremer os apaches, grupo indígena do sudoeste norte-americano.
– Idiota! – reagiu furioso, um outro. – Um tanguero combatendo índios! Saiba que o termo apache designa alguém do bajo fondo parisiense.
– Então deve ter ido para a França…
Silêncio de concordância. Afinal, alguém acrescentou:
– Ou então para o Brasil, em visita a seu amigo Cabezón.
(O certo é Cabeção, mas falantes de espanhol, sabe-se, têm uma senhora dificuldade em pronunciar o ão da última flor do Lácio.)
– Quando esses dois se reúnem, é treta na certa. Pobre Brasil, não vai resistir – disse um deles, abrindo um sorrisinho discreto, de satisfação maligna.
– É, mas depois os dois vêm pra Buenos Aires. Isso já aconteceu antes, foi uma calamidade, tenho pesadelos só de lembrar…
– Ay ay ay de nosotros! – entoaram em coro.
