Notibras

Conto inspirado na canção Mala Suerte

– Não dá mais. Nosso amor acabou.

Com uma expressão dura no rosto, os olhos gelados,Juan, um portenho de 32 anos, dirigiu essas palavras a Dolores, uma brasileira de 28 anos, radicada na Argentina desde os oito. Ela deixou-se envolver por um turbilhão de emoções. Apertou os olhos para não chorar, cerrou forte os
lábios para não gritar, sufocou o impulso de correr para o bar mais próximo e afogar em birita sua mágoa pela ruptura. Mas não fez nada disso.

Continuou a vestir-se, ajeitou a calcinha sob o vestido justo, que realçava seu corpo escultural, maquiou-se e passou um batom de um vermelho berrante nos lábios, enquanto o ex-amante a observava, tenso, preparado para uma sessão de choros e lamentações. Finalmente, mais calma, ela começou a responder a ele:

– É, Juan, você periga estar certo, terminar o nosso caso talvez seja a melhor opção. E não o culpo pela decisão, talvez a responsabilidade maior seja minha.

Respirou fundo, buscando o melhor jeito de se expressar, e prosseguiu:

– Você conhece a expressão brasileira “moça da pá virada”, uma das mais usadas por minha avó? Pode ser traduzida, em gíria daqui, por “calavera”, quer dizer, alguém farrista, que gosta de se divertir e não impõe limites a seu prazer. Os puritanos podem chamar de vagabunda, não dou a mínima pra opinião deles. Nasci assim e assim hei de morrer. Você sabe, corro atrás das casas de tango, gosto de dançar até o sol nascer. Você não gosta, quer ir embora cedo, má sorte a minha, má sorte a nossa…

Nova pausa. Hora de revelações.

– Nessas ocasiões, mesmo quando estou sozinha, curto as atenções da rapaziada e não sinto a mínima culpa em flertar com meu parceiro de dança. Mas nunca o traí, jamais fui pra cama com um tanguero. E olhe que não me faltaram propostas… – confessou com um risinho de quem começa a dominar a situação.

– É verdade que as vezes dava uma vontade enorme de soltar a franga, como se diz no Brasil. De fingir acreditar nas palavras sedutoras deles e me entregar por algumas horas, por uma noite. Mas isso jamais aconteceu, sempre o respeitei.

Calou-se de novo. Quando retomou a fala, seu olhar expressava desafio e uma pitada de vingança.

– Mas hoje você terminou nosso relacionamento, má sorte a minha, má sorte a nossa. Então a franga tá solta. Vou sair por aí, beber todas – pra esquecer nossa ruptura, mas não só – e bailar nos braços de um macho sedutor. Que talvez me faça propostas, que talvez, pra variar, eu aceite.

Olhou-o da cabeça aos pés e deu um risinho de superioridade.

– Sugiro, Juan, que você faça o mesmo, também solte a franga. Só não vá à casa de tangos xxx, para onde vou me encaminhar em seguida, depois da nossa conversa. Se você estiver por lá, vai virar uma competição de quem consegue mais parceiros de cama. E, você sabe, mulheres atraentes e desacompanhadas ganham nesse aspecto de 7 x 1, como se diz no Brasil.

Deu-lhe um beijinho no rosto e saiu do apartamento, linda e poderosa.

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