Dalva não queria guerra com ninguém, mas tal intento não a livrava de embates, ainda mais quando esbarrava com gente que se achava o último biscoito do pacote. Nessas ocasiões, encarava o desafeto de última hora, e não havia quem a demovesse de arredar pé. E se era um deus nos acuda, nem ele seria capaz de apaziguar o imbróglio.
Dona de uma das mais concorridas bancas de artesanato na Torre de TV em Brasília, a mulher fazia questão de explicar a origem de cada peça vendida, quando lhe davam abertura, é óbvio. Sem contar que, não raro, eram os clientes que indagavam a vendedora.
No caso específico, foi uma mulher de pele rosada, com seus lá 60 ou 65 anos, que desejou saber sobre determinada pintura onde aparecia uma senhora sentada em frente a uma casa. Intrigada, ela se virou e, com sotaque carregado, quis saber quem era.
— Cora Coralina.
— Cora Coralina?
— Sim. Cora Coralina.
— E quem é Cora Coralina?
Dalva olhou para a possível compradora e, com ar professoral, deu uma aula sobre a renomada poetisa goiana. Não satisfeita, ainda declamou alguns poemas de Cora Coralina para a cliente, que ficou completamente inebriada com tamanha beleza.
A mulher pagou o valor cobrado e, então, virou-se para ir embora, quando Dalva, cujo espírito curioso andava aflorado naquele dia, quis saber se a cliente era do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina ou do Paraná.
— Sou americana.
— Ah, também sou. Mas de qual local você é?
— Dos Estados Unidos.
— Ah, tá! É que aqui no Brasil chamamos vocês de estadunidenses.
— Sou americana!
— Sim, eu sei, pois você também nasceu na América. Você sabe que América é um continente, né?
Pra quê? A cliente disse algo em inglês que pareceu ser palavrão, virou-se e foi embora. E é lógico que levou consigo o quadro da Cora Coralina. É que até ela sabia que poesia boa era mesmo a brasileira.
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