Daniel Barros, alagoano nascido e criado às margens da Lagoa Mundaú, é um autor com consciência de classe. Engenheiro agrônomo e pós-graduado em Segurança Pública, é policial civil em Brasília há quase três décadas, o que faz com que tenha várias histórias para contar. Não à toa, entre seus cinco livros publicados, três são romances policiais. Mas, inquieto que é, já está com mais dois livros no forno.
Fale um pouco sobre você: seu nome (se quiser, pode falar apenas o artístico), onde nasceu, onde mora, sobre sua trajetória como escritor?
Sou Daniel Barros, engenheiro agrônomo formado pela Universidade Federal de Alagoas, com pós-graduação em Segurança Pública. Nasci e fui criado às margens da Lagoa Mundaú, comendo sururu com farinha e pimenta. Em Alagoas.
Como a escrita surgiu na sua vida?
A escrita entrou na minha vida durante a escola e a faculdade, por meio dos periódicos do movimento estudantil. No entanto, minha primeira publicação em livro aconteceu somente depois dos 40 anos.
De onde vem a inspiração para a construção dos seus textos?
Vem das pessoas, dos fatos e das coisas que vivi e presenciei.
Como a sua formação ou sua história de vida interferem no seu processo de escrita?
Sem dúvida, minha vivência influencia diretamente minha literatura. Como dizia Jorge Amado, meus personagens e minhas histórias sempre têm um pouco de mim e das pessoas que conheci, sem que seja, evidentemente, um trabalho biográfico. Talvez por isso eu tenha enveredado para a literatura policial, justamente pela minha formação, já que sou policial há 27 anos.
Quais são os seus livros favoritos?
Tenho muitos livros favoritos. Gostaria de começar citando Ninhos de Cobras, de Ledo Ivo, e Infância, de Graciliano Ramos – que tem uma influência muito grande em mim –, além de São Bernardo e Angústia. Outros livros que influenciam e fazem parte da minha formação são os de Ernest Hemingway, Velho e o Mar, Paris é uma Festa, Verdade ao Entardecer, No Jardim do Éden … Enfim, tantos outros, como o clássico Os Trabalhadores do Mar, de Victor Hugo.
Mesmo não sendo poeta, alguns poetas me influenciam, como Ivan Marinho, com o livro Sortilégio Possível, e Mário Quintana, com toda a sua obra, que é para mim muito marcante. Mia Couto também, tanto como romancista quanto poeta.
Quais são seus autores favoritos?
A resposta anterior já contempla essa pergunta. Além dos citados, gostaria de reforçar os nomes de Jorge Amado, Graciliano Ramos, Ledo Ivo, Ivan Marinho, Paulo Sousa e, é claro, Victor Hugo.
O que é mais importante no seu processo de escrita: a inspiração ou a concentração? Precisa esperar pela inspiração chegar ou a escrita é um hábito constante?
Não, eu acredito que a concentração é mais importante. Há um escritor – não recordo quem agora, acho que foi Drummond – que dizia que a criação é 90% trabalho e 10% inspiração. Evidentemente, a criação artística requer inspiração na escolha do tema, mas o desenvolvimento dessa ideia é puro trabalho. Como diz um amigo meu, é “sangue nos dedos” de tanto digitar.
Qual é o tema mais presente nos seus escritos? E por que você escolheu esse assunto?
Dos meus cinco livros publicados, três são romances policiais. Contudo, em todos eles, o pano de fundo sempre envolve questões políticas e sociais. É impossível se desvencilhar do cotidiano e da sociedade quando se escreve – pelo menos para mim, funciona assim.
Sempre há um fundo político. No meu primeiro livro, O Sorriso da Cachorra – que estou reeditando para ser publicado este ano –, o pano de fundo é a redemocratização do país no início da década de 1980 e a reforma agrária, bem como o movimento estudantil. Dois jovens adolescentes se conhecem e se apaixonam em meio ao processo de redemocratização dos anos 80 e à criação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra em Alagoas, que ocorreu justamente nessa época.
Meu segundo livro, Enterro sem Defunto, fala sobre a estruturação da polícia. É um romance policial que aborda o tráfico de drogas e como a estrutura policial engessa a investigação quando esta atinge pessoas poderosas.
O terceiro, Mar de Pedras, trata da história de um fotógrafo bem-sucedido que mora numa ilha paradisíaca no interior de Alagoas e vive o conflito entre os veranistas, donos de casas de praia, e os pescadores locais. A trama retrata a política de “pai para filho”, em que o prefeito da cidade é filho e neto de ex-prefeitos e usa a política para perpetuar o poder da família.
Canto Escuro, meu quarto livro, aborda licitação pública e a corrupção no serviço público. Há uma investigação sobre esse tema, em meio aos conflitos familiares do personagem principal. A narrativa se passa em várias partes: a primeira retrata uma vida boêmia e sem sentido, até que ele resolve constituir uma família e passa a enfrentar fortes conflitos no relacionamento, enquanto denuncia casos de corrupção para colegas policiais.
Por fim, Mesa Posta, Pratos Frios é a continuação de Enterro sem Defunto, escrito a partir do epílogo do livro anterior. Também é um romance policial, mas desta vez tratando de um crime de homicídio: um delegado e um traficante são mortos no início da trama, e a investigação gira em torno da possível relação entre as duas mortes.
Para você, qual é o objetivo da literatura?
Essa é uma pergunta muito ampla. A literatura tanto cria mundos quanto retrata o mundo em que vivemos, para que possamos refletir sobre a sociedade, sobre como as coisas são, como estão e como poderíamos mudá-las. Mas, como disse, é uma questão muito abrangente.
Você está trabalhando em algum projeto neste momento?
Sim, tenho dois livros inéditos. O primeiro, Cana, Corte e Sangue, fala sobre trabalhadores do corte de cana-de-açúcar em Alagoas. São boias-frias arrebanhados no sertão e levados para a zona da mata para trabalhar durante o período da safra. O livro retrata a vida na usina, a exploração e desmistifica a ideia do álcool como um combustível “limpo”, mostrando que o processo de produção da cana é feito de sangue, morte e destruição da natureza.
O segundo projeto é um livro sobre um serial killer que mata pessoas da comunidade LGBTQIA+. O Brasil é o país com as estatísticas mais alarmantes de assassinatos de pessoas dessa comunidade no mundo, e decidi abordar esse tema. Ambos os projetos são romances policiais.
Como você gostaria que seus leitores enxergassem sua obra?
Gostaria que lessem minha literatura com atenção e refletissem sobre a relação entre a ficção nas minhas obras e a realidade que vivemos.
Como é ser escritor hoje em dia?
Acho que o escritor hoje enfrenta os mesmos desafios de sempre: as contradições, as dificuldades de publicação e a inserção do artista na sociedade, marcada pela controvérsia do pensamento de quem cria. O escritor é um artista que fica entre os mundos da criação e da ficção.
Qual a sua avaliação sobre o Café Literário do Notibras?
Sem dúvida, é um portal de riqueza enorme e diversidade de temas dentro da literatura e das artes. Estou muito orgulhoso em fazer parte deste momento, concedendo esta entrevista.
Tem alguma coisa que eu não perguntei e você gostaria de falar?
Gostaria de falar um pouco sobre o papel do artista na sociedade. Acho que é obrigação do artista lutar pela democracia, estar contra o racismo e contra o autoritarismo. Sem liberdade, não há possibilidade de criação – ou, se há, é muito mais difícil o trabalho e a sobrevivência do artista.
Como dizia Jorge Amado, a pena e a máquina de escrever são tão importantes no combate ao fascismo quanto o fuzil e a metralhadora. Ele disse isso nos anos 1940, durante a expansão do fascismo no mundo e também aqui no Brasil.
Meastro Cuti também falava algo parecido: que é impossível para o artista não se comover ou se envolver na luta pelos direitos das pessoas oprimidas e menos favorecidas. Então, acho que o papel do artista é se envolver no momento social em que seu povo vive e lutar por ele – o povo oprimido, o povo trabalhador, o povo injustiçado.
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Livros do autor: https://www.editoralitteralux.com.br/autor/NDEy/Daniel_Barros
