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Daniel Marchi, o escritor cinematográfico

Não raro, ao ler um conto, especialmente os escritos pelo Daniel Marchi, tenho a sensação de que estou assistindo a um filme. E por amar cinema e ter o hábito de rever a mesma película uma, duas, quinze vezes, também adoro reler a mesma história, como quem busca reviver aquela sensação gostosa de imaginar a trama se desenrolando na telona.

Entre tantos contos maravilhosos, talvez a minha preferência seja por ‘A febre do gelo’, cujo enredo se passa no escaldante verão de 1930 no Rio de Janeiro, então capital do país. Um homem angustiado não consegue tirar da mente a esposa, a bela Luísa, enquanto tenta conseguir, por motivos só no fim revelados, barras e mais barras de gelo, que estavam em falta em toda cidade. Junte-se a isso o ambiente de uma mercearia fechada, um professor de música tocando violoncelo, o sol inclemente, um acidente com bonde… Imaginou a cena? Quão cinematográfica ela é!

‘Um amor de chapéu’, outro conto do Daniel, certamente já passou da hora de ser estrelado por… Hum… Lázaro Ramos ou, então, Matheus Nachtergaele. Precisaria ver com o próprio escritor, então, telefono no horário que sei que ele está debruçado sobre o computador escrevendo mais um texto. De tão ciente desse hábito do meu amigo, nem me dou ao trabalho de perguntar se posso telefonar.

— Oi, Edu! Já ia te ligar. Você precisa ler o que acabei de escrever.

— Oi, Dan! Mas antes preciso tirar um dúvida.

— Diga lá!

— Lázaro Ramos ou Matheus Nachtergaele?

— Adoro os dois.

— Também. Mas qual dos dois?

— E por que preciso escolher um apenas?

— Pro chapéu.

— Chapéu? Que chapéu?

— ‘Um amor de chapéu’.

— Hum… Pensei no Vladimir Brichta.

— Hum… É. Você tem razão. Mas que o Lazinho também poderia fazer bem esse papel, né?

— É verdade!

— E que tal o Wagner Moura em ‘A febre do gelo’?

— Edu, acho que o papel deve ser do Nachtergaele. O Wagner Moura ficaria perfeito no seu ‘Odisseia pernambucana’. Ele, o Lazinho e a Leandra Leal. Já pensou?

— Nossa! Seria maravilhoso! Mas quem seria o defunto?

— Ah, melhor deixar pra Leandra decidir isso.

Rio da piada do meu amigo e, antes de me despedir, peço para que ele me mande o seu mais novo conto. Mesmo assim, deixo para lê-lo apenas no dia seguinte acompanhado de uma generosa xícara de café gourmet. O momento era todo de ‘A febre do gelo’ e, ao adormecer, o tema musical chega em meu sonho: ‘Pavana’, de Gabriel Fauré.

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Eduardo Martínez é autor do livro ’57 Contos e Crônicas por um Autor Muito Velho’ (Vencedor do Prêmio Literário Clarice Lispector – 2025 na categoria livro de contos).

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