Esta história aconteceu há uns 80, 85 anos. Não sei se é verdadeira, só sei que a cidade inteira sabia.
Naquele tempo, o entorno de Brasília era terra sem lei. Aliás, terra sem lei, não, terra onde os moradores ditavam as leis, no fio do bigode ou no cano da carabina.
O machismo brotava no suor dos homens. Se o patriarca faltasse, por morte, é lógico, o irmão mais velho pegava as rédeas.
Era uma família tradicional, cujo primogênito era o único homem e depois vieram cinco mulheres. O pai havia morrido. A caçula apareceu grávida.
GRÁVIDA!!!! QUE ABSURDO!!!
O irmão, mesmo se não quisesse, tinha de valer a lei para defender a honra da irmã, e o único recurso era casar.
—Com quem você se deitou, sua desavergonhada, manchando a honra da nossa família?
A moça, aos prantos, mal conseguiu responder falar:
— Foi Osmar, ele me obrigou.
— Pode se preparar, eu vou agorinha buscar o Osmar e levar vocês dois na igreja para o padre Jacinto casar vocês.
— Mas…
— Cale a boca, você não tem direito de falar nada, sua desventurada, sua sem-vergonha. Ainda bem que nosso pai não está mais aqui pra passar por esse desgosto.
Geraldo, o irmão, arreou o cavalo e foi na fazenda do Osmar trazê-lo para casar com Aparecida. Chegou à fazenda e foi direto ao assunto, já com a carabina apontada pra Osmar.
— Osmar, seu infeliz, vim buscá-lo para casar com a Aparecida. A essa hora, ela já está na igreja te esperando.
— Mas, Geraldo, eu não sou pai da criança que ela espera, nos deitamos, sim, mas ela me confessou que tinha se deitado com Alaor.
— Você está louco? A Aparecida me falou que você é o pai, e vai agora comigo casar com ela. Ou quer ir para o cemitério?
Alaor era um moço rico, filho de um dos homens mais ricos da cidade, mas não valia o que comia. Era daqueles filhos de papai riquíssimo e pensava que poderia desonrar qualquer moça, que ficava por isso mesmo.
— Não quero saber, Aparecida me conhece, não ia mentir pra mim. Se disse que é você, é você. Se ela tivesse dito que era o Alaor, eu nem precisava andar três léguas pra vir atrás de você.
Hoje, fico pensando o que fez Aparecida mentir. Será que ela amava Osmar e queria se casar com ele? Será que ela pensou que Alaor não ia aceitar e, por ser rico, não ia aceitar casar com ela e acabaria provocando um assassinato? Alaor morreria e Geraldo ia apodrecer na cadeia? Ou, realmente, ela não sabia mesmo e falou que era Osmar porque já estava de namoro contratado? Ninguém sabe. Só ela, e há muitos anos, levou o segredo para o túmulo.
Pois bem, Osmar, com medo de morrer, porque se fugisse era morte certa, só pegou o cavalo e seguiu com Geraldo pra cidade. Foram direto pra igreja, onde padre Jacinto já estava esperando a mãe e as irmãs de Aparecida.
Foram ditas as palavras de praxe. Na hora se é de livre e espontânea vontade casar-se com Aparecida, Osmar fuzilou um olhar tão pesado para Geraldo, que este chegou a tontear.
Terminada a cerimônia, passaram na casa da Aparecida só para pegar as poucas roupas que tinha, pedir a benção para mãe, abraçar as irmãs e partir para o inferno que se tornou sua vida. Osmar ainda morava com os pais na fazenda e não tinha outra opção, a não ser levar Aparecida para casa dos pais, que receberam Aparecida com educação e pena.
Osmar já não era uma pessoa gentil, tornou-se ainda mais tosco. Começou a bater em Aparecida, antes mesmo da criança nascer. A mãe dele que a acudia sempre. A criança nasceu, parecida demais com Alaor. Parece até que a natureza quis dizer a verdade, pois, a cada dia que o menino crescia, mais parecido com Alaor ficava, o que deixava Osmar mais decepcionado ainda.
Continuaram a vida, aos trancos e barrancos. Osmar tornou-se um selvagem. Do jeito que tratava o gado, tratava Aparecida e o menino. Tiveram mais 6 filhos.
Osmar resolveu, logo depois do casamento, ser boiadeiro, para ficar levando e buscando gado para todos os lados, só para ficar o menos possível em casa.
Os pais de Osmar morreram, os filhos venderam a fazenda, Osmar comprou uma casa na cidade, afinal, as crianças precisavam estudar. Mas ele mal chegava de uma viagem, já tinha outra preparada.
Enquanto ele estava em casa, era pancada pra todo lado. Apanhava Aparecida, o menino que não era dele e os outros também.
O menino mais velho de Aparecida, cada dia mais, era Alaor esculpido em carrara.
Depois de alguns anos, Alaor se casou, a mulher teve dois filhos, mas nenhum era a cara dele escrita, como o filho de Aparecida.
Depois que as crianças ficaram todas adultas, comentavam muito que a vida deles era um inferno por culpa de tio Geraldo, que obrigara Osmar a se casar.
Agora, fica a pergunta no ar? De quem foi a culpa?
