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De tudo um pouco, fiz até Adão e Eva mostrarem a serpente na forma de sogra

Cansado das mazelas decorrentes da política, às vezes tento me enveredar por caminhos nunca dantes navegados, sempre com a intenção de distensionar o ambiente. Nem sempre consigo, mas continuarei tentando. Quando rapazote, me arrisquei em diversas áreas para ganhar dinheiro ou para, na pior das hipóteses, me encostar em uma das meninas das pobres, mas honradas, família do bairro. Eu topava tudo, desde que fosse honesto e que o encontro não tivesse conotação procriativa. Comecei a vida como vendedor de picolé nas praias do subúrbio do Rio de Janeiro 40 graus. Ia e voltava de trem parador.

Acho que, por conta do bordão escrito em letras graúdas e preso à caixa de isopor, normalmente vendia o que levava. Parei com o negócio depois que um desses maridos ciumentos encrespou comigo somente porque a patroa consumiu cinco picolés sem engolir o pau. Ou teria sido o tal bordão, cuja sinceridade comercial era das mais honestas? Passadas algumas décadas, até hoje não sei a razão de tão singela frase gerar tanta celeuma. Meu Deus, o que há de exagerado na expressão enquanto você chupa, meu negócio cresce. O que sei é que, em pleno 2025, meu bordão continua lembrado de Norte a Sul do país.

Nas brincadeiras de médico, ginecologia era a única especialidade que não me apetecia. Tudo por causa da lembrança de uma consulta de minha avó Anastácia Pederneira. No consultório, vovó reclamou com o doutor de um incômodo ardor ao urinar. O médico, também conhecido como espião da casa do cacho, perguntou se ela estava urinando com abundância. Com certeza sem entender o alcance da pergunta, a véia respondeu ao pé da letra: Não senhor. Eu urino é com a piriquitância mesmo. Nunca mais quis saber de assuntos ginecológicos.

Daí para a militância política foi um pulo. Cabo eleitoral do pai de um amigo de infância, estava acomodado em um dos cantos do palanque do meu candidato, cuja redundância era de entusiasmar bêbados, prostitutas e afins. No meio do comício, um dos oradores deitou falação elogiosa a respeito do patrão. Disse que ele era o melhor do mundo, que seria um pai para o funcionalismo público do Estado etc. No meio do povo, um gaiato, cansado dos elogios, gritou: Dê o toba a ele! Olhei para o candidato e perguntei se podia rebater. Com o consentimento, respondi na lata: Eu como o seu e o dele.

Acabei demitido antes que o ato se consumasse. Me sobrou uma experiência de aprendiz de mecânico na oficina de minha então namorada. O estágio foi rápido. Em um daqueles dias de pouco trabalho, ouvi a mina dizendo ao pai que eu havia dito que ela, além de um belo chassi, dispunha de dois maravilhosos airbags e um pára-choques de fazer inveja a Jojô Todinho nos bons tempos. Pior foi ter ouvido a resposta do sogro por um dia: “Diz ao teu namorado que, caso ele tente abrir o capô e tentar colocar óleo no motor, eu arrebento o escapamento dele”. Creio em Deus Pai! Estou vivo e honrado.

Já mais velho, consegui finalmente um emprego sério. No teste admissional, ganhei logo a confiança do chefe. Do tipo eu de cá, você de lá, ele perguntou qual era o animal que se pendura no pau com o rabo. Lembrei de vários, mas optei por não personalizar e foquei no veado. De crachá, prancheta e caneta Bic novinha, virei agente do IBGE, especializado em censo. Era pau para toda obra. Aliás, se era gostoso fazia logo, porque no dia seguinte poderia ser ilegal. Na primeira casa pesquisada, indaguei sobre os nomes dos donos da casa. Diante de Adão e Eva, não hesitei e tasquei o questionamento final: Por acaso a serpente também vive aqui? Adão chamou a sogra. Ri até o dia em que descobri que os cabelos pintados pelo tempo já chegaram à cabeça que não pensa.

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Wenceslau Araújo é Editor-Chefe de Notibras

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